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Faroeste Caboclo – 31/05 – Cinema
Achei ‘Faroeste
Caboclo’ um bom filme.
Bem conduzido, filmado (pelo estreante René Sampaio),
fotografado (Gustavo Hadba), é um dos raros exemplares brasileiros que alia personalidade
artística com potencial de bilheteria (pode anotar: será um dos maiores sucessos do ano). E possui ainda uma grande relevância para
a mitologia do cinema nacional ao trazer um protagonista '(anti)herói’ negro, algo
raro no Brasil. Mas a música ‘Faroeste Caboclo’....é épica, talvez uma
obra-prima - quem sou eu para dizer, mal conheço a obra de Renato Russo; mas
esta canção arrebata de primeira e me arrebatou quando moleque; lembro dos adolescentes no ônibus do time de natação do Fluminense, do qual
eu fazia parte, lembrando verso por verso a história de João de Santo Cristo
cantada em 9 minutos pela Legião Urbana.
Por
ser uma adaptação, ‘Faroeste...’ pode sofrer, ao ser analisado, as consequências de uma
contradição: sendo uma produção baseada em uma criação de outra mídia, a
comparação entre original e adaptação pode ser encarada como injusta; por outro
lado, a obra originada dá a cara a tapa ao carregar o nome da obra original e ter esse dado como
trunfo de toda sua divulgação, beneficiando-se das conquistas da canção – especialmente
a base de fãs que fez do trailer um hit no you tube e do filme, um blockbuster
levando mais de 500 mil pessoas ao cinema em seu primeiro fim de semana em
cartaz.
No
resultado da comparação inevitável, vejo ‘Faroeste Caboclo’ saindo-se como um bom filme.
Aquém do potencial da música, no entanto. A música de Renato traça a história
de João de Santo Cristo. Na música, personagens como Jeremias e Maria Lúcia,
apesar de decisivos para o destino do protagonista, surgem do meio para o fim
da história; no filme, Jeremias (Felipe Abib) e Maria Lúcia (Ísis Valverde) já
são apresentados desde o início, intercalados com João (Fabrício Boliveira). Essa opção é compreensível já que, enquanto adaptação, estamos falando de cinema e não literatura (ou uma saga contada em música...) mas é uma escolha que, na minha opinião, enfraquece os personagens de Abib e Ísis (por consequência do
roteiro e não pelo bom trabalho dos atores) e acaba centrando mais a história no triângulo e no romance de João e Maria Lúcia, o que compromete parte do potencial narrativo, já que é a saga de João que é tão fascinante.
Jeremias, que sempre imaginei como
um traficante mais casca grossa, um tipo mais velho, quase um coronel – durante
muito tempo achei que Jeremias era, inclusive, o sujeito que propunha a João
‘botar bomba em banca de jornal’ – vira um playboy traficante quase caricato de tão malvado (mas defendido com visceralidade por Abib, vale ressaltar). E
Maria Lúcia, que tinha um caráter extremamente misterioso e ambíguo na música – por que
mesmo que ela troca João por Jeremias, alguém conseguiu descobrir? – aqui é uma
personagem apática que, apesar da boa presença de Ísis, enfraquece o andamento do filme por seu demasiado tempo de tela.


Acho que a narração em off é dispensável (por vezes não se entende o que Fabrício narra por conta do som
background muito alto), que as cenas de sexo são quase constrangedoras de tão gratuitas
(por que a atriz bonitinha sempre tem que mostrar o peito? – pergunta retórica,
eu sei o porque) e que há um detalhe mal resolvido no confronto final (aqui, João não toma o tiro pelas costas; a coisa fica estranha).
Mas ‘Faroeste...’ acaba sendo muito feliz não só por criar uma obra adaptada de qualidade e relevância
artística (ainda que aquém do potencial do original) como também por conseguir
a proeza de, mesmo sem tocá-la até o início dos créditos finais, deixar a
música na qual se baseou na cabeça do espectador que a conhece durante as duas
horas de projeção, criando um interessante jogo interativo do tipo: ‘ah, essa é
aquela parte; ih, isso não tinha na música não; etc’. E como é gostoso, ao fim da sessão, poder revisitar a canção ainda no cinema.
Acima
de qualquer problema estrutural, ‘Faroeste Caboclo’, o filme, é a afirmação do
surgimento de um novo talento para o cinema brasileiro (René Sampaio), da obra
de Renato Russo e da força da história de João de Santo Cristo.
Trailer