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Reality – A grande ilusão – 08/05 – Cinema
A
fabulosa primeira sequência traz uma panorâmica do alto da cidade se
aproximando cada vez mais do chão até focar e seguir uma carruagem, puxada por
dois cavalos brancos. São noivos a caminho do casamento, a ser realizado (junto
a outros tantos) em um espaço de festas tão suntuoso quanto espalhafatoso.
‘Reality’ se passa no mundo ‘real’, mas a todo tempo de olho no pitoresco.
Garrone
usa cores fortes e personagens extravagantes, porém todos extremamente reais,
para formar um retrato da (sub)cultura produzida através da televisão na Itália
(e em muitos outros países do mundo moderno).
Apesar
de resvalar no que talvez possa ser considerado um elitismo (como se apenas o
pobre participasse do culto à celebridade), o diretor prepara um leque de
críticas na sua fábula crítica. Toda a caracterização da família do
protagonista, por exemplo, é muito bem feita: da obesidade aos programas de
lazer, passando pelo figurino e também pelo gosto musical, tudo a serviço da ironia
do realizador em relação à alienação da classe mais popular.
Outro
ponto interessante é como o fervor cego do protagonista Luciano (Aniello Arena,
já chego nele) por entrar no Big Brother italiano pode ser comparado a uma
adição às drogas – o personagem chega a um desequilíbrio psicológico – ou a um
fervor de uma crença religiosa.
Garrone
inclui ainda a observação (sempre sutil e metafórica) de como, mesmo fora da
televisão, o personagem se preocupa com a imagem que passa para os outros, por
conta de seu desejo de tornar-se célebre. É o oposto do personagem –
infelizmente – pouco desenvolvido de Roberto Beningni em ‘Para Roma com Amor’,
apesar de que lá, ao fim de seu ciclo de fama, o personagem sentia falta de
todo o circo ao seu redor.

Em
‘Reality’, Arena interpreta o personagem central, e apresenta um trabalho
esplêndido. Com olhos vivíssimos o tempo todo em cena, o Luciano de Aniello
Arena é o principal vetor de toda crítica disparada por Garrone ao culto da
celebridade, e ainda assim é uma figura de simpatia ímpar.
Adotando
um tom quase fabulesco e filmando com uma câmera móvel, porém sem nunca perder
a elegância de seus longos planos, Matteo Garrone ilumina a tela com uma fábula
relevante que exerce um comentário muito pertinente acerca não só da sociedade italiana,
mas da contemporânea como um todo. Não à toa, o plano que encerra o filme
aponta que o Cinecittá, lendário
complexo de estúdios que já recebeu as filmagens das obras dos mestres do Neo-realismo
italiano, também abriga a ‘casa mais vigiada da Itália’.
MEMO: (ATENÇÃO: O TRECHO A SEGUIR REVELA UM EPISÓDIO IMPORTANTE DO
ENREDO)
A sequência em que Luciano invade a casa do Gran
Fratello e passeia por ela, quase como um espírito (seria uma alucinação?),
rindo, rindo e rindo.