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Os Miseráveis – 03/01 - Cinema
Entre começar a trabalhar em ‘Os Miseráveis’ e lançar a obra com estrondoso sucesso, Victor Hugo dedicou quase vinte anos de sua vida. O histórico romance foi lançado em cinco volumes, com algumas edições contabilizando no total 1300 páginas. O filme de Tom Hooper, que adapta o musical nascido nos anos 80 na França e importado/traduzido para a Broadway, tem pouco mais de 2h30. O resultado da equação é uma narrativa apressada, atropelada e que, ao contar toda a SAGA de forma cantada - no modelão Broadway, diga-se de passagem - transforma todo momento em som e fúria. Mas quando absolutamente tudo é espetacular, épico, não há nuance, não há respiro; tudo vira uma coisa só. É como um filme de ação com sequências de perseguições e tiroteios sem intervalo; ou um filme de terror com sustos ininterruptos; uma comédia com piadas sem cessar. São exemplos banais, mas foi essa a impressão que tive ao assistir ‘Os Miseráveis’. Talvez a estrutura toda cantada nem seja exatamente o problema; a questão é que todos os números são épicos e aí, mais uma vez, tudo vira uma coisa só e eu, como espectador, não tenho tempo de me importar com nada nem ninguém, porque mal terminou uma catarse e lá vem outra na sequência.
Sou
fã de musicais. E romântico declarado. Meu filme preferido é West Side Story, um musical de 3 horas de
duração, adaptando Shakespeare, ídolo dos românticos. A obra de Victor Hugo é
romântica e melodramática por si só, mas a opção de acelerar a narrativa e
colar todos os números musicais (usada para supostamente dar ritmo e evocar uma
linguagem teatral) simplesmente eleva o melodrama a níveis insustentáveis, para
não dizer insuportáveis. Por consequência, personagens surgem superficiais e
unidimensionais. Veja a Fantine de Anne Hathaway, por exemplo. Surge em cena e sofre, sofre, sofre, sofre. Desde seu primeiro instante ela é oprimida por suas
colegas (sabe-se lá o porque), seu contramestre, e depois, por todas as pessoas da ‘zona’
da cidade: prostitutas, cafetões e clientes, todos caricaturais. A única que
sofre ali é a pobre Fantine. A questão da narrativa pra mim é que, sem
concessões, talvez ‘Os Miseráveis’ seja uma obra inadaptável para o cinema
comercial. É uma saga, como já disse. E as concessões que esta adaptação faz (e
acredito que sejam as mesmas do musical da Broadway, que nunca vi), na minha opinião, são as piores
possíveis. Porque ao acelerar encontros, momentos, transformações e o ritmo da
história como um todo, deixa a ação confusa e suprime as motivações e as
nuances dos personagens - por vezes nos perguntamos ‘por que ele está fazendo
isso mesmo?’.

E
nem vou começar a falar de política, com a visão cristã, religiosa e por vezes
elitista predominando sobre o destino dos personagens.
Pra
terminar, uma reflexão. Música não é simplesmente som, é a junção de som com
silêncio. Se não há silêncio, se só há som, não há música. Em ‘Os Miseráveis’,
fiquei com a impressão de que sobra som (extraordinariamente captado ao vivo, diga-se de passagem). Mas falta silêncio.
MEMO:
Mesmo com todas minhas críticas negativas ao filme, não questiono que é
arrepiante assistir Fantine cantando ‘I dreamed a dream’.