Encruzilhada

Encruzilhada

sábado, 30 de agosto de 2014

Poema da beira do lago

Filho único
de mãe solteira
melhor amigo
melhor amigo
do meu irmão;
o preferido
da padroeira
terceiro primo
segundo grau
meu tio avô
foi general;

imaginando
a vida andou
o imaginário
dorme e acorda
dia e noite
foi e voltou.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Arte e Herança da Escravidão - Nova Colaboração com o ORNITORRINCO

Texto originalmente publicado no ORNITORRINCO
Edição: Gabriel Pardal

ARTE E HERANÇA DA ESCRAVIDÃO



Sentado no lobby do hotel no Porto, em Portugal, enquanto esperava a conclusão do check in, notei uma estatueta na mesinha a minha frente. É uma pequena peça de uns 40 centímetros, um negro escravo altivo carregando uma bacia. Na bacia, o hotel oferece algumas balinhas de goma como cortesia aos clientes.

Paro pra pensar nesta figura, nesta pequena estatueta. Vem-me à mente o comentário de Spike Lee, que ao criticar negativamente "Django livre", filme de Quentin Tarantino, dizia ser a escravidão não um faroeste, mas um holocausto. Por conta da palavra usada por Lee, imediatamente retorno minha mente para o que está à minha frente e me pergunto: e se essa estatueta fosse a de um judeu com o uniforme listrado no campo de concentração?

A resposta é óbvia. Ninguém teria o mal gosto de manter uma peça dessas à mostra como decoração – talvez num museu, como parte de um acervo, mas nunca num hotel.

Exatamente por isso, minha pergunta inicial se mantém: o uso deste tipo de artefato como decoração é questionável?

Um poderia argumentar que a peça é histórica e por isso representa um momento da história e não uma fetichização da figura do escravo. Pois sim, a escravidão faz parte da História, foi o motor e símbolo da economia colonial por séculos. E é claro, nesse contexto, muita arte foi produzida. Em muitas dessas obras, os escravos estão retratados como parte histórica da sociedade da época, em especial na obra do francês Jean-Baptiste Debret, cujas pinturas servem como documentos da opressão dos colonos. Mas passados todos esses anos, como reagir quando uma obra com a representatividade desta estatueta é usada fora do contexto histórico, como artefato de decoração de um hotel grã-fino?


Como o amigo leitor pode acompanhar na foto acima, a peça traz um homem negro forte, quase nobre, semblante plácido e cabeça em pé. E ele abre os braços para oferecer o seu trabalho e traz nos pulsos, tornozelos e pescoço argolas douradas. Os aros das correntes?

O leitor também já deve ter percebido que nessas linhas há mais interrogações que respostas. Talvez eu devesse ter questionado a gerência sobre a peça em questão. Talvez eu devesse ter perguntado à única família negra hospedada no hotel o que eles achavam do assunto. Talvez eu esteja exagerando. Ou talvez ainda não pensemos a escravidão como o holocausto de um povo, como definiu Spike Lee. E talvez devêssemos.

As questões são muitas. E não pretendo trazer verdades aqui.

A única verdade é que esta obra segue ao lado de uma taça de vinho oferecida como boas-vindas, decorando a salinha de estar do lobby do hotel Palácio do Freixo.

Lucas Gutierrez é ator, escritor e jornalista.
* Imagem do topo: Mestiço - Portinari

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Um dia, à noite, serei feliz

Um dia serei feliz
Em noite iluminada
Pé na areia
Dois palmos dentro d'agua
Na praia
Da rua
Do bairro
Do silêncio
Com a bola debaixo do braço
Inda que não encantador
Jogarei a copa do mundo
Junto aos outros 
De mim mesmo
Cantaremos os gols de todos
Meninos de novo e de novo
De boca pro céu
Jogados no chão
Seguro e macio é o chão da inocência
E faremos gol
E pegaremos pênalti
E passaremos adiante
Comemorando como crianças
Correndo atrás dos anos que se foram
De peito aberto para as esperanças.