Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de maio

01/05

Se perguntarem...


Se perguntarem por mim

Diga que grito.
Se perguntarem 'por quê?'
Diga que canto.
Se perguntarem 'e agora?'
Diz 'está escrito'.
Se perguntarem 'o que será?'
Diz que me levanto.

Se perguntarem por mim

Diga que parti.
Se perguntarem 'por quê?'
Diga 'vai saber'.
Se perguntarem 'pra onde'
Diz que estou por aí.
Se perguntarem pra ti
Diz que estou a viver.

02/05


divórcio


Queria pouco e lhe surpreenderam

Incrédula, lhe abandonaram
Tinha tanto enquanto enriqueceram
Nada sabia, lhe decepcionaram

E ele volta, sem esquecer

E ele vem pra lhe atormentar
Troca a face ao reconhecer
Aquilo que nunca quis enxergar

Parte sem partir e quer ficar

E ela só tem isso pra viver
E ele não hesita em enfrentar
E os dois vivem sozinhos pra sofrer.

03/05


Fim de tarde


Que me venha o sol

Dourar meu rosto
Renovar
Queimar meu corpo
Limpar

Que me venha o mar

Molhar meus pés
Me redimir
Por meus papéis
Me conduzir

Que me venha o vento

Que se faça ouvir
Soar e ver
Quem está aqui
Venha me conhecer.

04/05


Dancemos


Dancemos a dois

Depois, dancemos em família
Há milhas da família que somos
Fomos, porque somos e seremos
Serenos, seremos muito mais
Iguais, totais, mais que nós
Após, nós e o tempo
Cinzento do tempo a esconder
Para não crer, esconder para não vermos
Os mesmos, não vermos o que podemos ser
Pois viver, quando ser
É tudo que podemos.
Dancemos.

05/05


À mais querida


Escrevo à mais querida

Risadinha da vida
Tereza, Tetê, Maninha
Verso para minha madrinha
A leitora da poesia
Verso por ela neste dia
Por seus anos, sua alegria
Entre os planos, presente, minha tia
Dona de parte de mim
Te agradeço e homenageio assim
Um poema feito só pra ti
Maria, querida, Didi.

06/05


Por si

Não é filho de ninguém
Nem afilhado de ninguém
Não é amigo de fulano
Nem foi trazido por beltrano

Não é neto de ninguém
Nem da família de ninguém
Não é esposa, não é marido
Nem namorado, nem conhecido

Não é protegido de ninguém
Nem indicado por ninguém
E ainda assim, está aqui
Sem quem lhe traga, está aqui
Sem atalho ou herança, está aqui
Quer assim, estar aqui
E vem só, vem por si.

07/05

Havemos, hão, 


Há quem sofra

Quem lamente
Há quem fuja
Quem se ausente

Há o perdido

O trovador
Há o vencido
O desbravador

Há quem não pense

Há quem não viva
Há quem não tente
Há quem não sinta

Há quem não veja

E o que não sonha
Há quem esteja
Sob a própria sombra

Há quem pereça

Por ser própria calma
E há quem se esqueça
De que tem alma.

08/05

João, meu irmão


É meu irmão,

Homem de criação
À procura de si
Como todos daqui

É meu sangue

Minha gíria
Meu igual
Minha família

Hoje não há certo ou errado,

Bruto de sorriso puro;
Hoje celebro nosso passado
Hoje aposto em nosso futuro

Tua voz é minha voz

O teu jeito, meu trejeito
Irmão de corpo, rosto, feroz
Aqui lhe faço meu respeito

Touro como o pai

Cascudo como a mãe
Carisma como o irmão;

Às vezes um moleque

Por sempre foi Vicente
Pra sempre é meu João.

09/05

vitrine da vovó


"Toda minha vida está aí'

Ela me diz
Como quem quis
Me convidar a entrar

Cá está

Tudo em seu lugar
Entre lembranças
Heranças
Do amor
Do avô

À melodia de uma caixinha de música

Há memória
História
E ela deixa de ouvir para estar
Entre palhaços, canetas tinteiras
Milhares de peças resistem inteiras
Unidas, coladas, se soltam, separam
Pedaços da vida
Escurecida, se apagam

Entre livros e jóias

Louças e oração
Entre o silêncio se colocam
As notas de uma canção

Do que nos deixa, do que se foi

Do que se vai, do que ficou
Uma melodia repetida e ouvida
Através do tempo, dos anos, da vida

Quero chorar, não consigo.

É algo maior que se junta comigo
Sobre o que é, o que fica
Sobre o que há, não se explica
Nesta tarde de maio, me domina, me ensina
E assim, de repente, se fecha e termina.

10/05

casamento


Muito após o pedido

Minha mão está contigo
Ouvindo coisas sem sentido
Que não nos tiram o sorriso

Sim, te quero comigo

Sim, serei teu amigo
Teu amigo, o mais querido
Rumo ao desconhecido

E prometo amar-te e respeitar-te

Ser teu companheiro,
Por inteiro
Fazendo-nos iguais
Correndo a vida juntos,
Nada mais.

11/05

Do que poderia ter sido


Uma verdade calada

A ocasião de um desencontro
A escolha mal fadada
O não retorno de um ponto

Aquela história não aconteceu

Houve um amor que não se viu
Num porém, o momento se perdeu
Quem disse que ia ficar, partiu

'E se', promete o condicional

A uma versão imaginária do real
E se não feito, se não desfeito
Se não falado, encontrado, escolhido
O que faria, quem seria
O que poderia ter sido?

12/05

Mater


'Mãe é o nome de deus

Nos lábios de uma criança';
São por ti, serão teus
Nossa espera, esperança

De um novo existir, um novo ser

Por dar à luz, iluminar
Teu tipo único de poder
Fazer nascer, assim criar

Assim lhe chamo: a mãe de tudo

De sobrenome natureza
Origem, símbolo; vida, mundo
Caos, equilíbrio; paz e beleza.

13/05

Ser outro, outro ser


Há eu, há sim, há um

Não há, há não, nenhum
Há outro, há
Já, Já, Ha-Ha-Ha-Ha
Só há, soluto
Agudo, hirsuto
O outro só
Só hei, sou só

Por ser do outro
Que sem saber
Me cerca o nó
Em dó fa mi
Ré lá si sol
Não sei se ser souber
Senão será sempre sequer.

14/05

quem se importa com a rosa a essa hora?


'E que me importa'

Sopra a rosa
Gira a roda
A roda rosa
A rosa gira
Sopra e vira
Vira-mundo, vira-tudo
Vira-roda
Que se importa
Vira a rosa
'Divina e graciosa
Estátua majestosa'
Da demora
Da hora
Da roda
E quem se importa com a rosa agora?

15/05

Matá-lo


Quero me desvencilhar de você

Matar
E sobreviver
No ato, do alto da última altura
Esta figura
Em sua assinatura
Deixou pra mim o 'porque'

Quero me desvencilhar de você

Te matar
Deixar de aprender
Saber o que meu é teu
O que sou eu
Para abraçar o que puder ser

Quero me desvencilhar de você

Pois o que apregoa ainda ecoa
Em minha cabeça, para que não esqueça
Que nem exilado, separado ou desvencilhado
Deixarei de segui-lo.

Meu querido, mais querido,

Meu amigo.

16/05

Ericson


O poeta se foi

Choro por ele
E toda vitalidade, potencialidade
Toda visceralidade e sinceridade
Do que se encontra no chão
Um vão do em vão
Vai, ai
De mim, assim, é sim
Que vai, que foi
O poeta se foi
E o descubro já ido
Partido, ruído, caído, vivo
Vivo! Pois vive em poesia
Na maestria das palavras escritas
Bonitas, intensas, imensas, propensas a falar
O poeta se foi, mas ainda está.

17/05

Mal-estar


O mal-estar

Estar
Está
Por vir a ser
Por não ser, eis a questão
Que coloca no olho do furacão
O diapasão
Da solidão que é o mal
Estar em que se encontra
É o que se compra na televisão
Quem vai pagar, quem vai vender
Você vencer viver vir ver
E ler
O que se escreve na biografia
Geografia de quem foi, do boi
Epitáfio de dia:
"Aqui esteve o mal
Em si, se vá
Estava em mim
O mal-estar, está".

18/05

Gil


Um homem que não teme a morte

Mais porte que sorte
De sua entidade
Uma quase divindade
Da África à América
Erudita e periférica
Tua música é tua alma
A alma de tua música
Popular, requintada, cantada
Em teus gritos falsetes intactos
Entre nós façamos um pacto
Presença dourada, elegância carregada
Uma existência admirada, uma figura elevada
Você continua o trabalho
E nós seguiremos a amá-lo.

19/05

A vida num filme


Às vezes me pego, em movimento

Pensando penando, pensando no tempo
Ao caso a ferida, chamada de vida
E a vejo como uma, uma grande película

Um único filme, um filme diário

Nossa despedida, um documentário
Subjetivo, sem objetivo

Um filme que vemos, por anos e anos

História de amores, de dores, de planos
Talvez acabe no meio, talvez vá até o fim
Um filme protagonizado por mim

Sem volta e às voltas com reviravoltas

De roteiro improvisados dia a dia
Com filmes dentro do filme, metalinguagem vazia

Um filme em fita ou disco, não avança ou rebobina

Assiste, atua, vive e um dia, assim, termina.

20/05

Sem ar

A queda fria que cai da nascente
Me deixa sem ar
Bate em meu rosto, gelada, com gosto
Faz-me não respirar
Com os anseios seguros no pulmão
Então, me ponho a navegar
Na estrada deserta
Que me desperta
Devagar
Devagar, por vagar, a vagar
Sou um animal em busca de uma vaga
Uma vaga para um simples respirar.


21/05

Essa gente

Dessa gente que me passa
No caminho
Dessa gente que me olha assim
Sozinho
Gente estranha, esquisita
Corre, corre, aqui, aflita
Apressada, vai e vem, vem e volta
Da vida
Atrasada pro que tem, tem e solta
Com olhos de serpente
Boca de vidente
E olhares tão vazios
Fugidios
Enquanto me oriento e determino
Considero meu destino
Sorridente, não me compreendo
Esqueço, e até agradeço
Entendo com seu preço
Por entre ruas sujas
Suas na minha medida
Escuras de pintura anoitecida
Sentida dessa gente tão perdida.


22/05

MM

Se apaixonou sem querer,
Se apaixonou por você
O desenho das mãos de lado
O canto mais afinado
Sonhando em beijá-la, sê-la
Romântico não tê-la

Conquistado e rendido
Hipnotizado quando submetido
À visão de uma rainha branca
Cabelos negros, boca vermelha
Espanta sua presença que espelha
Em música de ti, tornada aqui
Qualquer coisa mitológica
Demovida de lógica

E que razão tem a paixão
Quando o mundo grita 'não'?


23/05

Um

Será pois um
A mais que não
Solo então
Apenas um

De orgulho, ou um governo qualquer
No escuro, nos braços de uma mulher
Um

No inverno, penando a gelar
Num pedaço do ano solar
Haverá luz por quem lhe conduz
E será um

No conflito, dito, restrito
Ao corpo do esforço
Por ti torço
Por medo nenhum, temor algum
Que te baste ser um.


24/05

Passando, passando

E caminha por pegadas apagadas
Fundadas em pés de histórias tão passadas
O chão que se desenha se desdobra
De página em página, revela sua obra

Imortal enquanto dura
Eterno enquanto triste
Existe, assiste, perdura
À melodia da lembrança pura
E o legado deixado pra trás
Reminiscências finais
De quem já esteve e já foi
E já não é mais.

E caminha por cima dos anos
Por cima dos beijos, da mágoa e da fé
Caminha, me leva e nos vamos
A outra praia, nos vamos a pé.


25/05

A roda da rima

Chama-me rente, só minha
Clama decente, rainha
Trama o presente, sozinha
Ama a serpente, madrinha

A governança do caos
Sobrepujança dos paus
Na temperança dos saraus
Desesperança dos maus

O cheiro da estranheza
Tempero da impureza
Terreiro da incerteza
Caseiro da realeza.


26/05

ousadia e alegria do menino que sonhava

E o que será mais bonito que sonhar?
Um sonho realizado
Apenas o começar
De um caminhar a ser traçado

Vai guri, ninguém te segura mais aqui
Vai guri, estamos todos torcendo por ti
Talvez por nós mesmos, pelo país
Mas escrevendo torço pra que sejas feliz

Porque és o sonho em menino boleiro
O sonho do futebol brasileiro
E acima de tudo, o garoto do sonho
Drible fácil, já pai de família, risonho

Sonhava grande, entre os melhores
Chegou tua hora, és dos maiores
Vai atrás da tua coroa, Ney
Deixa de ser príncipe, vai ser rei.


27/05

Vestidos de caneta e papel

Entre os sons há os sonhos
Escondidos, puídos, medonhos
Vestido de caneta e papel
Mirando o limite do céu
De escolhas, opções, intuições
A coragem de formar proposições

Entre os sonhos há histórias
Há mentiras, nervos, glórias
E detalhes de uma vida
Assim urdida
O mergulho, em si, inteiro
Verdadeiro

Entre as histórias havemos nós,
Sonhadores
Ousados de sonhar, escritores
Escrevendo nosso ser
Escrever
Sendo em nós o que queremos
Seguiremos.


28/05

Os olhos do rosto vermelho encaram

A escolha é uma máscara vermelha
Desaparecendo em escuridão
Fantasmagoria traiçoeira
Engana teus olhos, tua visão

Valia ameaçadora
Sombria e assustadora
Sorria de prisão

O rosto brilhoso escarlate
Uma fila de signos embaralhados
É rubro de sangue o quilate
A teia de todos significados

A mensagem do inconsciente
Ascendente sobre a ilusão
A imagem limpa, gravada na mente
A escolha doente, traição
Perversão, arrefece tua semente
Aquela que circula em solidão.


29/05

noite adentro

eis que a noite se estende
se vai
desfaz em paz
e lembra o que teria sido
o que foi
e o não temido

pela janela, ao passo dela
como quem aprende com a hora
como olhar, ver, manter-se fora

marginal se mostra
silenciosa encosta
seu charme em meu terreno

sensual, sexual, a noite se rende
se derrete
reflete os desejos
e os incita
e os dissipa

celebra a cegueira
à sua maneira
desfaz o cheiro de calma
atende aos apelos da alma.


30/05

Vez
A vez que te encontrei
Foi a vez que me prendi;
A vez que te falei
Foi a vez que te perdi

A vez que te olhei
Foi a vez que me iludi
A vez que me enganei;

Foi a vez que conheci
A mentira que enxerguei
Foi a vez que vi partir
Quem eu tanto esperei
Foi minha a vez de cair

A vez que te enfrentei
Foi a vez que mais sofri

Chorei, minha vez, chorei
Chorei, minha vez, pedi;
Chorei, minha dor, cantei
A vez em que te esqueci.


31/05

tristeza será

tristeza será linda
tão bem-vinda quanto finda
será bela
numa manhã amarela
de lágrima derramada
ou rosto seco de madrugada

tristeza será fria
ponta de melancolia
um vazio, uma falta, um lamento
por um fio me assalta o sofrimento
faz-se ouvir, sentir
calado, quieto, por perto
bem de perto

vem do centro o encantamento da grandeza
lá de dentro o movimento da tristeza.