Encruzilhada

Encruzilhada

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Paisagem

Tanto mar
Tanta cor
Tanto amar
Tanto amor

Amar é amor
E todo amor é tanto
É dor
É mar sem cor
Todo amor é amador
É canto
E todo canto é amor
É grito, é pranto

Todo amar é tanto
Tanto mar é muito
Todo amor é um encanto.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Passarilho

pairando parado
parando pairado
pairo
paro
passo
passando o passado
pairado, parado
parando e pairando
passo.
passo a passo
apresso o passo
e passo.
parei, pairei, passei.
e parto.

terça-feira, 14 de abril de 2015

A descoberta

Tomei um gole de vida
Me afoguei no mundo
De boca cheia de ferida
Fiquei louco, cego, e surdo-mudo
Pra cada som, cada visão
Cada décimo de segundo
Escrevi. 
Escrevi pra descrever o coração
Esse nômade vagabundo
Andando por aí sem trilha
Buraco sem fundo
Cachorro sem família
E então descobri.
Descobri que descobrir é tudo
Ou não é nada
Depende da barriga
De quem faz a batucada
Que na água da incerteza
Chamo deus de natureza
E na falta de outra vida a me servir
Me perco na beleza dessa aqui.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Salgado, Wenders e o tempo

Aproveitando a estreia de 'O Sal da Terra' no Brasil, republico esse texto sobre o filme, originalmente publicado no ORNITORRINCO. A edição é de Gabriel Pardal.

“O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; (...) rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo (...), brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira (...); pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas (...).”

Cito Raduan Nassar em 'Lavoura Arcaica' para falar de Sebastião Salgado. E Wim Wenders. Dois homens que sabem brindar com o tempo.

Acabo de assistir ao documentário ‘O Sal da Terra’, sobre Sebastião Salgado, dirigido por Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, filho do homem. E sinto que algo mudou em mim.

Acredito profundamente que a arte transforma. E que alguns filmes podem mudar você. E se não você, alguma coisa em você. Lembro de sentir algo assim quando assisti pela, sei lá, quinta vez, ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’. Depois de ter tentado a experiência algumas vezes quando novo, agora estava mais maduro e mais perto de arranhar a compreensão da obra. Algo semelhante aconteceu com ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’. ‘Melancolia’, de Lars Von Trier, que assisti praticamente sozinho numa salinha de Santa Teresa, mudou minha forma de ver o cinema moderno. E o próprio Wenders ganhou um lugar especial na minha memória quando me apresentou Pina Bausch mais de perto em seu ‘Pina 3D’. Lembro do mestre Adriano Garib aos berros nos ensaios de uma peça na escola de teatro:

- Vocês querem ser artistas, vão ver ‘Pina 3D’! Tá pensando que ser artista é mole? É trabalho, trabalho e trabalho!

Há muito trabalho em ‘O Sal da Terra’. E há muita coisa especial. Há a história do jovem criado em fazenda que vira economista na cidade, e se descobre fotógrafo, artista. Há a história de Sebastião e Lélia, parceiros de trabalho e de vida, amantes há quase 50 anos. Há a história do filho que sempre viu no pai - ausente em viagens pelo mundo - um aventureiro e que agora pode segui-lo numa de suas aventuras. Mas todas essas pequenas histórias são pinceladas do tema principal: o trabalho de Sebastião Salgado.

Wim Wenders e Sebastião Salgado
Pessoalmente, acho um alento ver um filme sobre o trabalho de uma pessoa, ou um que se apropria da arte do artista para criar um tributo em vez de se limitar jornalisticamente à história do biografado. Alguns bons exemplos de ousadias narrativas bem sucedidas me vêm à cabeça: a ficção ‘I’m Not There’, sobre Bob Dylan; ‘Jards’, filme-ensaio de Eryk Rocha sobre Jards Macalé; o fantástico filme-poema ‘Elena’, de Petra Costa; ou o já citado ‘Pina 3D’.

Em ‘O Sal da Terra’ há vislumbres da vida pessoal do brasileiro. Mas, focando no trabalho de Salgado, Wim e Juliano evitam a armadilha personalista. E o fotógrafo escapa sem ser mitificado pelo projeto. Despido de valores e signos publicitários como consumo, dinheiro, fama e sucesso, este filme mergulha na reflexão e na contemplação. Por isso somos capazes de admirar profundamente a arte de Sebastião sem sermos oprimidos pela figura dele.

E acabamos então conhecendo mais do retratado, mas o fazemos através do que importa, no fim das contas, em se tratando de um artista: sua obra.

Através de suas fotos, acompanhamos a jornada de um exilado em sua saudosa América do Sul, e as andanças de um homem ávido por conhecer o seu próprio país, em travessia pelo nordeste brasileiro. Ou a sua gente, habitantes de desertos de fome da África, fábricas do leste europeu e dos confins do planeta ainda intocados. Sempre numa busca pelo registro da condição humana. E indo da desilusão com a nossa espécie ao ressurgimento da esperança no reencontro com a natureza.

Uma coleção poderosa de retratos da humanidade, por vezes, em sua face mais cruel. Miséria, fome, violência. Existe uma discussão sobre se a obra de Sebastião estetiza a miséria, esvaziando a força das situações ali representadas com seus registros em preto e branco, quadros bem compostos e jogos de sombra e luz. Acho um debate relevante, mas tendo a me posicionar ao lado de Salgado.

E, de tão maravilhado, quase chego a não acreditar no que vejo, no momento em que ele registra os índios da tribo Zo’é, em cores de pele morena, folhas verdes e tinta vermelha de urucum como nos mostram as lentes de Wenders e Juliano.

Salgado é um andarilho com muito para contar, muito para mostrar. Alguém que escreve com a luz, como a inspirada abertura nos conta. E é emulando o tempo do próprio fotógrafo, homem de paciência, fala calma, e portador de uma energia pacífica que chega a passar para o lado de cá da tela, que Wim Wenders nos apresenta a seu trabalho.

Talvez seja cedo para dizer que algo mudou em mim depois desse filme. Mas o sentimento está lá.

Tudo a seu próprio tempo.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Saudade não tem fim

Texto novo no Ornitorrinco.

OLÁ BRASIL, ATÉ LOGO


De volta à Nova York, me volto para o Brasil. Passei três semanas no Rio de Janeiro, dedicadas à renovação do visto e, especialmente, à tentativa de morte matada da saudade, esta velha senhorita que cai, levanta e até parte, mas nunca se vai por completo.

‘Saudade de quê?’, me perguntam, alguns dias depois de eu desembarcar no aeroporto Galeão. Depois da saída, tomo uma cortada, uma cara enfezada e um buzinaço enquanto dirijo para fora da Ilha do Governador. Tudo do mesmo motorista, às 8h da manhã, num sábado algo ensolarado. Saudade disso? Não, disso especificamente não. 

Mas o ponto é que nossas virtudes e nossos defeitos parecem vir do mesmo lugar. As nossas e quiçá as de todos...