Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de julho

01/07

No dia em que ela volta

Acordo sonhando com ela
Amor mais puro que não há
Só vem em sonho

Passo o dia em ansiedade
De um abraço
Por meus braços

Encontrá-la tanto tarde
Chega o canto da saudade
A se esvair
Pois ela está aqui

Acordo sonhando com ela
Amor que haverá de verdade
Me deito dormindo com ela
Concreta é a felicidade.

02/07

dançando no escuro

despiu-se.
às escuras, olhar em sombra
dançou nu
na áfrica;
foi rei
no breu
livre
plebeu 
do sempre
quente
ao canto da tribo
esgresso de eras
no transe cego
sábio
ébrio
guerreiro selvagem
bailante
primitivo
instintivo
levado por sentidos
os mais polidos
tolhidos
podados
renunciados
no ritmo da terra
do som
em ebulição
o sangue por uma canção
que expulse demônios
exorcizando, expurgando
no corpo se encontra a proposta
não a resposta
escrita a mão
na escuridão
por intuição
inspiração.

03/07

Nos teus olhos embaçados

Reconhece
E não esquece
O que havia ali

Aparece
Resplandece
A poesia em ti

Por trás dos sinais
Que oferecem
Os canais
Não arrefecem
Crescem
Em imponência
Cadência
Frequência
Sentença
Potência

Amadurece 
O caminho dos rivais
Estabelece
O que por vir
E o que não volta mais.

04/07

Poema da noite que o dia anuncia

Queres estar na noite
A vagar na noite
Correr pela rua
Ser sua
Na noite escura que flutua
Nua, crua
À vista da lua
Engarrafando almas
Calmas
Almas em fila, a caminho do mar
Pra passar
Desta noite a outra incerteza
Seja
O barulho do mar
Um sorriso da noite
Ou a canção acabar.

05/07

Canto da coragem

Gato numa briga de leões
Gato numa jaula de leões
Corações
Ao alto
Passo a passo
Se desfaz o medo em ar
Brigões
É traiçoeiro seu olhar
Emoções
Domadas
Tomadas
Retomadas
Canções
Cantadas
No despertar
Da união dos seus sentidos
Virá, virar
Torcer os arranhões
Casar os vilões
Cuspir decepções
Calar as ilusões

Gato preto grande e forte
Em chão frio, branco
Vigia, vigia
Mostra as presas
Avalia;
Leões certezas
Silencia.

06/07

AltoAcima. Além.

Esperar.
Querer.
Correr.
Viver.


Acima do ar.
Acima do sol.
Na esperança
Expectativa

Sem porém. Sem refém.
Além.
Ser além das lembranças
Além das mudanças.
Ser e viver.
Além da tentativa
Além da esperança
Além da expectativa.

07/07

um sonho real para sempre

sonhei.
com amor.
amizades.
entre anos perdidas,
reunidas;
encontro
partida.
união. emoção
celebração.

sonhei com música.
abraços, lágrimas
sorrisos, beijos, páginas
páginas e páginas
do tempo.
numa noite
num sonho
real. a dois.
e a tantos.
a tantos, há tantos
no sonho.

o sonho da noite
na noite da festa
nesta chance, neste sonho
brindo à vida,
sonho lindo
sonho findo
incerto
aberto;
sonho estará aqui por perto
sempre.

08/07

Linha a linha

O caderno de memórias não se fecha
Letras, palavras, poemas, histórias
É o que sobrou, é o que te resta
Batalhas vencidas, batalhas inglórias

Entre escritos, rabiscos e traçados
Uma mera sombra da verdade
Lidos, filhos, atirados
Uma onda, identidade

Cai o chão, a pele grita
Papel limão, célebre, fita;
No campo surge, vazando veneno
Levanta e rugem, prepara o terreno.

09/07

Canto da rua de sempre

Das ruas em que foste criança
À cidade em que serás distância
Tudo passa e tudo fica

A sombra do sol no berço vazio
Fel provado em dia frio
Nos caça, nos liga

Toca, à resposta da questão
Provoca, sufoca a derrota
À parte do silêncio que investiga
Pare, pense, siga
Siga, sinta a tinta
O artista
Que o quadro de teus anos pinta.

10/07

circo pega fogo

O circo não para
O show não cessa
Dispara, cansa, estressa

O circo pega fogo
Incendeia, tomba, cai
Confrontado, em si, decai

O circo se recusa
Nega o erro, a queda
Nega o tempo e ao fazê-lo, se entrega

O circo não é mais
O circo jaz
Entre restos e destroços,
Em pedaços, em negócios
O circo se desfaz.

11/07

Antes do fim

Tic tac
Toc toc
Bate à porta a finitude
Traz um canto de aviso:
Quem ainda não morreu
Estará morto;

Se faz de pé, se faz lembrar:
O que não acabou
Um dia vai acabar;

Fim,
A mão pesada que esmaga o sonho
A sombra que se volta sobre o medo

Sim,
Também a luz que ilumina o próprio tempo
Faz poesia da passagem, do momento

Tudo chega ao fim
Tudo chega a um fim
As coisas lindas ficarão
Porém são findas
Todas as coisas, mais lindas
Lindas que mais, partirão;

Eis o tamanho da escuridão
Que nos deixa com a luz
Da vida de nós
Do agora, hoje, do amanhã
Do depois, do sempre

Quanto seja antes, assim,
Todo o sempre, antes do fim.

12/07

sorriso no céu

O sorriso no céu
Lua de papel
Que mingua? Que cresce?
Lua de mel não arrefece
Um sorriso sem olhos
Ou de olhos fechados
Dormidos, caídos, cansados
Sonhados, partidos; imaginados

O sorriso vê
Gato negro da noite
Inglês, do segredo
O gato que ri
O gato que poderia ser queijo.

A lua que vê
O sorriso que é
A lua de mel
No papel
O sorriso no céu.

13/07

Arremata! Arrebata!

Encoraja-te!
Para os excessos
Lágrimas do céu
Dúvidas da terra
Restos de sal
Rastros de sol
Queima-te ao ar livre!
E livra-te do ar
E do mar
E do lar
E do par
Rende-te!
Em prantos, talvez
Tomado em chance
Verdade incapaz
Verdade jamais
Arremata! Arrebata!
Ei, tu! 
Encoraja-te!
Queima-te! Livra-te!
Rende-te!
Arremata! Arrebata!

14/07

Canto do que será

Será à toa?
A rima da criança
Com esperança
E a presença da lembrança
Nessa dança?

O muro, duro
A rima do futuro
Futuro do presente
Pressente

De braços erguidos no ar
Haverá
Chegará
Virá
Será

Será?
O passado
Amado
Como se diz?
Feliz
De quem passou
Quem viveu
Morreu
Quem viu?
Cem mil.

Será? À toa, será?
À toa
Doa, doa a quem doer
Por quem quiser sofrer
Por quem sofrer quiser
Por homem ou por mulher
Esteja onde estiver
Esteja
Será?
Se for, que assim seja.

O mistério é etéreo
Ou não seria misterioso
Orgulhoso de si que só
Fecha o nó da imaginação
O final de uma linda canção
De um agir pela destruição
Na ordem do caos que se aproxima
O lugar está vago e determina
O caminho do meu próprio mundo
O mergulho em mim, profundo
Será.
Pra quem quiser ver.
Será.
Porque assim tem que ser.

15/07

"escrever é sacudir o sentido do mundo"
                                              roland barthes

E se eu sumisse,
você lamentaria?
e se partisse,
choraria?
e se perdesse,
se arrependeria?
se me esquecesse,
você me culparia?

E se não fosse,
se não estivesse,
se não parecesse,
se não escondesse,
você ficaria?

Se eu me arrumasse,
me conquistaria?
me cortejaria?
me beijaria?
me amaria?

E se eu morresse, 
você choraria?
entre erros e dores,
você choraria?
por escolhas e amores,
você perdoaria?

Se eu falasse
você não me ouviria;
se eu gritasse
não me ouviria;
se eu te chamasse
você não me veria;

Escrevo.
pois se escrevesse
acho que você gostaria;
acho que você me leria.

16/07

De pé, diante do dia, acordamos.
De olhos brilhantes, peito aberto para o mundo,
Ainda que pequeninos pra tudo.
Nos juntamos, lutamos,
Jogamos, aprendemos
Choramos, amamos, nos apaixonamos
Caímos, pedimos, sofremos;
Queremos, queremos saber!
Sabemos!
Conquistamos
Ganhamos, perdemos;
Corremos, corremos, corremos!
Comemos
Nos divertimos, sorrimos
Sonhamos
Cansamos.
E cansados, deitamos.
Pra dormir. 
Terminar. 
Acabar.
Acabamos.

Num dia, nós, crianças, sentimos uma vida inteira

17/07

III

Somos três, sempre os três
Nós, eu e vocês
Três homens abraçados
Sem saber onde um começa e termina
Três mãos unidas
Feridas, grandes mãos
Amigas

Te abraço, sinto teu coração
Posso te falar, não te ver
Quero te ouvir
A força da emoção
Em ti
Controlado pra não sorrir
Com cuidado pra não chorar
Não neste lugar

Sigamos adiante, então
Porque importa o que será de nós
Após
A partida
Restaremos a sós
Saudade
E distância
Num tempo de esperança
À espera do próximo encontro
Estando ou não pronto
Sigo daqui
Com vocês daí

Juntos na vinda
Sempre
Juntos na dor
Juntos ainda
Em frente
Irmãos onde for.

18/07

Canto da partida

Esse retrato em preto e branco
Essa figura escurecida
Mostra quem já não é mais
Quem era, quem já se foi

Malas cheias, casa vazia
Coração rasgado, o sangue pulsa
Pelo tempo em que a vida
Tem cara de vida
Pessoal, íntima, grandiosa
Cá está ela, acontecendo
Mudando
Correndo furiosa
Exigindo o controle de suas rédeas
Ou uma jornada desgovernada
Traz uma estranha sensação
Os acontecimentos são uma repetição
Do que já houve, em escalas maiores

É chegado o momento de crescer
O momento de romper
A hora de morrer
A vez de renascer.

Vou. Fui.

19/07

Perdi minhas lágrimas num mergulho no mar

Procura-se um lugar
Para se encontrar

Não choro.

No som de vagar
Há muito de paz
Do que faz
O corpo da paciência
Doença do ansioso
Virtude da sapiência

Esperar.

A hora de se banhar
Bradar
Brindar
Pedindo os sabores
Favores do tempo;

Beijo-lhe a mão
Peço-lhe benção
E paro de existir
Algum dia, alguma hora
Deixo de existir
E de estar, algum dia
Estar
Ainda estar.

20/07

mundo do alto

O mundo do alto
Te toma de assalto
Te lança no ar
E não te deixa voar
Te joga no chão
Corrói verdades
A antecedência dos conceitos
Destrói a exatidão
Assombra o coração;

No mundo do alto
Há um mundo muito
E mesmo do alto
Se é muito pouco
A altura central,
A distância final
Para o mundo real
Um mundo do alto
Um voo, um salto
Justo, leve, solto
O mundo do alto
Me faz seu arauto.

21/07

Classificados de rua

Compro minha memória de volta
Vendo meu sorriso
Alugo minha alma
Troco meu juízo

Compra-se a cura da felicidade
Procura-se quem venha da eternidade
Um berço de ouro? Um corpo de luxo?
Vende-se um homem, sujeito-produto
Pronto pro uso

Quer comprar? Quer vender?
Um de cada pra você
Vende-se bem, vende-se tudo
Grito, anuncio, pago à vista, faço cheque
Assino cartão, contrato, barato, compro planos
E que me custa ser escravo por 100 anos?

Dou-lhe uma.
Dou-lhe duas.
Dou-lhe todas.

22/07

Alien

Acorde no desconhecido
Desperte seu sentido
Tampouco vai-se com o perigo
Que o sangue corre preguiçoso
Nervoso, ansioso, medroso
Prisão do homem de bem
O homem que vem.
Sem.
Vem soterrar o umbigo
Esfaquear o amigo
Carregando consigo
Uma chance de luta
De adiar a permuta
Que lhe intimida
E que o deixa nu
Nu bebê, nu criança
Deitado no frio, alma mansa
O homem cordial pisa, pesa
Pega a balança
E se lança 
Na vingança
Da corrente de emoções
Entre estações
E foliões do verão
De chapéu na mão
Entregue senão
À luz que lhe chega pra trazer
A luz que veio pra morrer.

23/07

De grão em grão, a galinha enche o saco

Quem dirá o que se pode
O que se deve
Quem se atreve?
Entregue
Aos caminhos do chão
De mão em mão
O que será de ti
Aqui
Não haverá porém
Não haverá senão
Não.
Aqui te restarás assim
Enfim
Calado rua abaixo
Queimando pé na terra
Vivendo o dia em guerra
Um pedaço de merda
Por vez.

24/07

Solidão é selva

Sirenes fecham o fim da hora
Seduzem o dia
Perseguem história
Cruzam o mundo de pernas pro ar
A aplaudir e aclamar
A máquina de salvar

. . .

Viva nascente do mal
Saberá por onde ir
A caminho da vida normal
Condenado pra sempre a seguir

Um sorriso pra uma chegada
A entrada de uma estação
O rastro, o sinal, a pegada
Desbravado pela solidão.

25/07

sua ambição explodiu, escorreu e arranhou o céu

um rasgo do tamanho da ambição
fenda afunda no fundo do peito
arranhão
arranha-céu, guarda-sol, louva-a-deus
o rastro é vermelho-sangue-chocolate
caminho abandonado
mendigo embriagado
homem desabrigado
engraçado?
o herdeiro tem berço de prata
o bueiro tem cheiro de mata
trata
seus olhos com a cerimônia que merecem
se esquecem
dos tantos anos de batalha
canalhas

um buraco do tamanho da ambição
o escuro vazio no seu coração
vago, largo, cego, magro
enfio a mão suja no seu peito aberto
me perco
enquanto me esqueço
e te mantenho por perto
cemitério vivo
perigo
uma fenda fatal na escuridão
traição
o gosto amargo da submissão
o rasgo, o estrago da sua ambição.

26/07

Canto do ego

Leva-me para um lugar que seja meu
Leva-me
Joga-me
Lança-me
Num lugar que seja meu
Carrega, me entrega
Me rasga, me nega
Um lugar que seja eu
Me encontra, me mostra
Me toca, me choca
Com alguém que seja eu
Me entrego, me levo
Me lanço, me jogo
Me rasgo, me busco
Me estrago, me nego
Me mostro, me toco
Me carrego, me entrego
Me sofro, me choro
Me espero, me tento
Me peço, me aumento
Me lamento.
Me procuro.
Eu.

27/07

Poema da morte antecipada

Singela
Sincera
Pergunta
Assusta;
Seria
Sabia
Da sua
Angústia?
Pudera
Pondera
Pandora
Agora
Embora
Estivesse
Em cima
Da hora;
Por fora
Não fora
A forca
Senhora
Quisera
Tentara
Tivera
Acabara
Partira
Deixara
Partido
Deixado;
Deixado
Deitado
Deixando
Ficar
Sozinho
Sofrendo
Não pôde
Esperar.

29/07

Canto da madrugada III

Pode ouvir o som do trovão?
O passado lhe chamando atenção
A cena está montada
Noite alta, madrugada
Luzes apagadas
A estrada chama
A estrada não dorme

Pode ouvir o som do trovão?
A mão
Do presente em movimento
O momento
Incitante, excitante
Levanta um vestido
Aponta um caminho
Esboça um carinho
Te leva sozinho
Ao deserto da estrada aberta
Desperto na estada incerta
Sempre desperta
À sua espera entre dia e escuridão

Pode ouvir o som do trovão?

29/07

temporada da calmaria

Do dia em que cheguei
À hora de partir
Cantei, cantei, cantei
Que nunca te esqueci

Poeta incendiário,
Trovo solitário
Ruivo, barba, violão;
Conservo relicário
Atento temporário
Espanto a escuridão

Espero por você
Canção, a mais antiga
Lamento te perder
Te encontro em outra vida.

30/07

Noite americana

Noite, noite
Esperança cega
Promete, promete
E não entrega

A noite é sempre amanhã
À noite nada é certo
Exceto
E eu sou o único desperto

Sozinho no silêncio sussurrado
Enquanto hibernam, carregam
Me recuso a dormir
Por amar a noite pura
A noite da rua
Mais que a rua da noite

Noite pra se ver
Se ouvir
Noite simples por só ser
Noite inteira e eu aqui.

31/07

Poesia do amor que se quebrou

Um amor que vem de grão em grão
Não é amor
É senão
Não mata a sede
De gota em gota
Gota
Em 
Gota
Na chuva fina do fim da tarde
E ainda assim
O céu desaba
A terra apodrece
Ainda assim
O sol se apaga
A água envelhece
E o tempo não esquece;
Ainda assim, reconhecerei seus olhos
Vidas à frente
Em noite quente
Ou dia frio
Seus olhos a me ver
Além da margem do rio.