Encruzilhada

Encruzilhada

terça-feira, 31 de março de 2015

Ano cinco

Ano cinco
Anos
Planos
Sonhos.
Brinco,
Mas não brinco com sonhos.
Minto?
Minto não,
Você sempre teve minha atenção
Sinto
Sinto sempre
Sempre tudo
Um mundo de sempres pra mim e você
E novo
E fogo
Um mundo queimando
Pra fazer tudo de novo
Ou tudo de novo
A cada dia
A cada ano
Voamos
Através dos ares
Dos momentos
Dos lugares
Voamos.
Amamos.
Mil amos
Em cinco anos
Quentes
De homens e mulheres diferentes
Que somos ou seremos
Todos os dias ou em dia nenhum
Dançaremos
Noite qualquer
Ou mil e uma noites
E mil e uma danças
E histórias
E memórias
Salvemos em horas
Os anos
Lançados ao vento,
E vamos, vamos agora,
Adiante, mergulhar no tempo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Se um dia você me encontrar

Um dia, meu amor
Você vai chegar em casa
No silêncio
Vai sentar no sofá
Vai ligar a tevê
Você só vê o que está
Diante de você

E eu não vou estar lá
Não lá, não lá

Um dia, meu amor
Você vai olhar pra trás
Num momento
Vai me procurar
Perguntar porque
Mas eu não vou ser
Mais parte de você

Não vou estar lá
Não lá, não lá

Um dia, meu amor
Você vai entender
O meu lamento,
Vai se arrepender
Vai chorar, vai sofrer,
E eu não vou estar
Por perto pra te ver.

Mas se um dia,
Meu amor,
Você me encontrar,
Depois de me perder

E me lembrar
Eu vou estar lá.
Prometo, vou estar lá.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Canto da saudade II

Saudade que é saudade bate sempre
Dia todo
Todo dia
Saudade dorme,
Acorda,
Respira,
Às vezes disposta
Desperta
Às vezes preguiça;
Saudade se afaga
Saudade se abafa
Mas não se mata.
Saudade vive,
Tão e tal e tanto
Que uma vez partido
Seja o saudoso
Ou o sentido
Vai-se o corpo
Vai-se o pranto
Vai-se o morto
Vai-se o canto
E saudade inda é presente.
Saudade que é saudade é para sempre.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Minha esposa, uma mulher

*Novo texto publicado no ORNITORRINCO, em ocasião do Dia Internacional da Mulher. Tem muita coisa boa lá!


Quando conheci minha esposa, não fui com a cara dela. Na verdade, na primeira vez que a vi, vi que era linda. Mas ao passo em que começamos a frequentar o mesmo local de trabalho, formei minha opinião: essa mulher é nojenta.

Eu era estagiário. Ela, repórter com dez anos de bagagem. Eu era simpático. Chegava na redação, passava de pessoa em pessoa, dando bom dia, ou boa tarde, ou boa noite. Ela sentava ao computador de fone enquanto decupava sua matéria do dia. E quando eu passava lhe dando bom dia, boa tarde ou boa noite, ela sequer me dirigia o olhar. Mandava apenas um ‘oi’. Muita marra.

Quando passávamos um pelo outro, no corredor, eu esperava cumprimentá-la, como fazia com todas as pessoas. Eu era boa-praça, sabia o nome de todo o mundo, falava com todo mundo. Ela mal olhava na minha cara.

De fato, até alguns meses antes do nosso primeiro beijo, ela não sabia o meu nome. Eu era apenas ‘o garoto que fazia imitações’.

E ainda assim, quando todos os homens se juntavam numa dessas reuniões de homens para cerveja, pagode e videogame, e faziam um top 3 das mulheres do canal, ela era minha vice-campeã – atrás apenas da apresentadora capa da Playboy. E eu sempre dizia: ela é metida, mas é linda demais.

Um dia a gente a dançou junto. Noutro, dançamos junto de novo. Num terceiro, estava tocando ‘Spring Love’.

Quando começamos a nos relacionar, eu não escondi a impressão que sempre tive dela. E, enquanto eu conhecia e me apaixonava por uma amante da fotografia, do cinema e da música clássica, alguém independente, que já percorrera o mundo sozinha, fã de Pearl Jam, Gil, Caetano, Luiz Gonzaga e Pink Floyd, e capaz de subir num salto plataforma e sambar num vestido vermelho como ninguém que eu já tenha visto na vida, eu aos poucos entendia a razão de sua postura no trabalho.

Sempre vestindo calça no seu modo repórter (‘fico mais à vontade’, ela diz) ela lembra até hoje quando uma amiga brincou ao vê-la de vestido, dizendo ‘Olha ela, vestida que nem menina’. Minha esposa já tinha namorado um companheiro de trabalho. E sabia o que alguns homens falavam entre si sobre as mulheres da empresa. E eu finalmente compreendi. A verdade me consterna tanto quanto me constrange.

Ela tinha aprendido com a vida que, especialmente num lugar carregado de energia masculina, quando uma mulher sorri para um homem, ou é simpática com ele, são grandes as chances do sujeito achar que ela está dando mole.

Num ambiente de trabalho, no Brasil, uma mulher pode ser saudada com beijos molhados indesejados na testa ou no rosto, mãos no ombro. Ou elogios de que ‘está demais nesse vestido’.

Se fechar a cara, poderá ser dito pelas costas dela que é nojenta, marrenta, metida ou antipática.
A questão é complexa. Não estamos falando de bons e maus, molestadores e vítimas, mas de costumes e comportamento.

Você pode considerar exagero, mas acredito que a linha entre um comentário elogioso e um vislumbre de assédio é tênue. Veja esse vídeo e pense sobre o assunto. Ou esse aqui. Ou esse do Porta dos Fundos. 

Minha esposa é uma das pessoas mais bem resolvidas que eu já conheci. Não quer ter filhos, casou com um homem nove anos mais novo, que atualmente ela sustenta, e cuja vida ela mudou completamente, para mais saudável, mais prazerosa e simplesmente melhor (ainda que não haja nada de simples nisso).

Ela entrou na faculdade aos 15 anos, virou repórter aos 20, cobriu tiroteio, enchente, Eurocopa, Olimpíada, UFC, virou correspondente internacional. Já viu uma competente colega não ser contratada porque, “num canal de esportes, não pode ter mais mulheres que homens”.

É a repórter mais eficiente que eu já vi. No trabalho, é notória pela competência, agilidade e organização. E ainda assim, muitos dos elogios que recebe são direcionados à sua aparência, o indefectível ‘Você estava linda’. No Twitter, ouve que é musa.  Ou, quando diz algo controverso ou polêmico, é chamada de puta ou vadia por quem discorda ou se sentiu ofendido. Num estádio, já ouviu torcida gritando que era piranha.

Não é exclusividade dela. Já trabalhei com várias apresentadoras. E quase todas têm histórias para contar sobre mensagens pornográficas via Twitter ou vídeos no You Tube que destacam seus decotes, quadris ou pernas.

O fato é que podemos gritar pelos direitos de minorias, sejam negros, índios, gays, pobres, sem-terra. Mas quando se resume a homem e mulher, somos nós, homens, os opressores.

Eu fui apresentador de TV. Nunca nenhum chefe me disse para eu maneirar no sorvete por causa do meu peso. Nunca ninguém me disse que os meus lábios estavam sensuais demais. Ou que eu deveria usar vestidos mais curtos. E eu nunca tomei cantada de entrevistado. Nem fui reduzido em minhas capacidades por ser um rostinho bonito. E olha que eu sou um rostinho bonito.


Hoje li uma frase. E mais uma vez, tenho que citar aqui Cynara de Menezes. “Enquanto ainda for preciso um dia da mulher, este continuará a ser um dia de luta”.

foto American Girl in Italy, Ruth Orkin, 1951