Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de janeiro

Projeto 'Um poema por dia em 2013'

01/01 - Ano Novo

Atravessar é o que liga

O anel que nos une
Dia após dia, lua após lua
Num novo começo, de velhas intrigas
Na nova esperança de fazer a travessia

Vai cedo, vai tarde

Mas vem, sem alarde
O que já foi, não será
Será o que é? Não.
Será o que tiver que ser.

02/01 - Faces


Faces, faces, que fazes, que fazem?

São como fases as faces,
Fases da rua, faces na rua
Nenhuma minha, todas suas.

Faces na tela, na calçada,

de passagem em movimento.

Faces a caminho da minha direção

Ou na direção do meu caminho.

Faces que me encaram

Faces que me olham
Faces, teu, do mundo
Faces, fases, me devoram.

03/01 - O outro lado


Fora de ordem, estou fora

Da linha, estou fora
Do ninho, fora
fora

Out of line, out of time

Fora de mim
Out of sight, out of mind
Fora, out

Fique fora, fora daqui

Keep out, stay away
Keep fora, fique out
Out, por fora
Por out fora, por fora, out
Por forout

Porque fôra.


04/01
 - Caminho



Há um vento a me empurrar
Adelante, adelante
Sedento por me segurar
Adelante, adelante

Tem a força para me esmagar

Adelante, adelante
Faz questão de me apequenar
Adelante, adelante

Diz-me 'não, melhor esquecer'

Adelante, adelante
Mostra tudo que eu não posso ser
Adelante, adelante

Tenta-me o vento

Adelante? Adelante?
Traz meu momento
Adelante, andante, adiante.


05/01 - Sonhei que voava


Sonho ou terra?

Vida ou sonho?
Desperto no meu caminho
De pé, caminhando sozinho,
Sonhando em linhas mal traçadas
Mal faladas, mal lembradas.

Vida ou terra?

Sonho e sonho.

Minha morte, minha sorte

Minha mente, minha gente
Sonho meu, faz o teu
Herói, regente
Sonha e voa para o céu,
Presente.

06/01 - O Baile


Olhos. Olhos.

Iluminados na pista, mudam de cor.
Mãos soltas, jogadas na cintura,
Cabelos no rosto, imagem do amor.

Pés, pernas.

Pernas nas pernas.
Pernas com pernas, vestidas, descobertas,
Em vestidos curtos, incansáveis pernas.

A pista, o som, a luz, o som.

Os dois, o dom. Nos lábios, batom.

Boca na boca, lábios nos lábios.

Um beijo molhado. Molhados.
De olhos fechados. Fechados.

Olhos, luz, mãos, braços, seios, cabelos,

Rosto, lábios, molhados, pés, pernas,
Pernas, cintura, boca, bocas, bocas,
Som, som, som. Luz. Olhos. Molhados.

07/01 - Benção


Eu vi os templos da História

Girando sob o céu de estrelas;
As famílias das florestas,
Os crentes ancestrais;

Eu vi a face da loucura,

É um homem meio máquina,
Dentes podres e olhar vazio;

Eu vi homens que viram frango,

Ossos que viram armas,
Crânios em pilha,
Cadeias vazias;

Eu vi um mar de nuvens

E os poros da Terra;
Eram montanhas, cascatas, vulcão;
Eu vi meninos prontos pra guerra
Cidades lotadas de solidão;

Há vida na selva, na praia, tradição, permanente

Os homens, crianças, unidos, cantavam;
Há vida no centro, berço, oriente
Um olhar, pensamento, 
Além do tempo.

E os deuses dançavam. 



08/01 - Aqui

       Eis-me aqui
Sentado diante de ti
     Sozinho, sem ter pr'onde ir
           O remédio é partir
                 Partir pra seguir
           Partir para sentir
     Partir para sorrir
A ponto de cair.
       Eis-me aqui!

09/01 - A minha resposta

Escrever, escolher.

Pesa.
Pesa, pena, peso pesado.
Assinar, contar, criar
Mentir, forjar
Transmitir, sustentar
A escolha manifesta de escrever
A escolha manifesta em escrever
Em escrever, a escolha manifesta.
A escrita. Há a escolha.

10/01 - Dedicado a você

Uma letra pra você: R, de rainha

Uma palavra pra você: linda, toda linda
Um verso pra te dizer, te agradecer
Tudo o que foi feito, e o que vem a fazer

Um poema pra você, mil poemas pra você

Mil letras, mil palavras, mil versos em um ano
Todos pra você, que não te deixem esquecer
De como te amo, como te amo, como te amo.

11/01 - De pé

Fito o escuro. Pulo um muro.

De olhos fechados.
Danço, corro. Canto, corro. Grito, corro.
Olho de novo, peço socorro.
No centro do transtorno
Sem volta, sem retorno.

Vem, lágrima, lavar minha alma

Secar meu peito
Molhar meu choro
Me dizer 'bem feito!'

Vem, lágrima, retomar meu juízo

Me mostrar o futuro
Revelar meu sorriso
Do outro lado do muro

12/01 - Remendo

Palavras que não compreendo

Posto aqui, mesmo, sigo lendo
Sem ter visto, ainda vendo
Não ter vivido, por isso entendo
E tendo tido, estive tendo
O que pensava ser, assim sendo
No que se fez, costurar escrevendo

13/01 - Hollywoodland

É dito ser o panteão.

Olimpo de estrelas imortais.
Indústria de sonhos.
E mentiras.
Nem tão bons, nem tão talentosos,
Nem tão bonitos, nem tão especiais.
Sonhos. E mentiras.
Meus sonhos, minhas mentiras.
Um dia ser um deles.
Um dia estar lá.
Sonhando uma mentira ainda.
Ainda que mentindo um sonho.

14/01 - Tenho estado

Tenho estado
Meio relaxado
Meio baleado
Assim, meio de lado
Jogado, rolado, deixado
Como que mareado
Ou mesmo relegado
Renegado, encostado
Apavorado e assustado
Sendo anestesiado
Subestimado, aqui deitado
Ainda que solucionado
Cá estou, acorrentado
Quase que resignado
Com o atestado acertado
Comunicado e publicado
E eu, mal-frequentado
Comissionado e condenado
Ando meio desligado.

Tenho estado
Meio parado
Admito, acomodado
Por demais sossegado
E entediado
E endiabrado
Aqui, trancado
Como um exilado
E ainda excitado
Sendo transformado
Logo perturbado
Muito mal-falado
Quase nem citado
Tão pouco lembrado
Tudo que foi dado
Não foi reclamado
Está terminado
E abandonado
Deixa perdoado
Ando meio desligado.

15/01 - Por tudo que já foi

Posso lhe falar

Das pedras que atirei
E dos amores, que aqui deixei
E não se foram, e se perderam
E já não são mais

Posso lhe dizer

Dos livros que não li
E das histórias que escrevi
Imaginando, assim em sonho
E já não são mais

Posso lhe cantar

As melodias doces
E as notas altas
Que rimam forte, compondo a sorte
E já não são mais

16/01 - Santa

Pergunta, fala pra mim

Se ela sai do rio ou talvez do mar
Pra me molhar
Pra vir de volta
De saia e bota
Mostrando as costas
Me machucar

Pergunta, fala pra mim

Se ela sai do rio ou do mar então
Com beijo bão
E traz paixão
Religião
Pra multidão
E volta logo pro meu coração

17/01 - Soe o alarme
Dor, dor, dor, dor, dor

Soa o alarme
Do que me vem na carne
E deixa soar
Até o sangue baixar
E deixa cair
Até a doença sumir
E deixa correr
Até a hora de renascer
Dor, dor, dor
O alarme a soar
O tempo a me testar
Quando o que quero é descansar

18/01 - Sexta feira, 18 de janeiro de 2013

O que foi feito do dia
       Que era vida quando nascia?
               Virou pó, desmanchou-se no ar
                        Vai-se com a noite e vem outro a chegar

                                O dia, outro dia a mais de dor
                                        Também é aquele que me traz o meu amor
                                                 O mesmo que me deixa dormir depois de acordar
                                                           O dia que vejo partir, quando me ponho a sonhar.

19/01 - Louvação

Bestas de mil nações vem me visitar

Querendo me ver pelas costas
Como o porco escuro
Que me fita com seus olhos vulgares 
De madrugada

Ao som da água, que cai do céu

Me misturo à névoa do amanhecer
A esperança num pensamento
Repetido de novo, repetido e de novo
Ao fim do sexto dia, haverá de me salvar.

Disto, eu sei.

20/01 - Der

Dê-me o que quer que seja

O que mais deseja
Trazendo nos braços
Ou carregado na cabeça
Em meio a litros de cerveja
Entre pedidos e recados
E remorsos e pecados
E entre deus e o diabo
Num fluxo de pensamento
Sem qualquer entendimento
É uma linha de momento
Uma onda de palavras
De memórias desgarradas
Com significâncias vagas
E relevâncias arbitrárias.
Dê-me.

21/01 - Um dia a menos ou um dia a mais...
And here it is, another day

A day, another, and so I say
I say, I feel, within my pain
And so the pain, the day again
Again it starts, come clouds and rain
This rain that brings my time to pay
And pay I do, with days the same
The same as now and yesterday
A day, once more, about to fade
About the faith, about the fate
My fate is mine and so I lay
I lay and got myself to blame
Blame one more day, another day.

22/01 - Melancomania

Minha melancolia

Meu mel com agonia
Doce, doce dor
Sorriso de amargor
Às falas falsas, vagas, pagas
Despedida alegria
Fisionomia em letargia
No retrato da apatia
Emoldurado em monotonia.

Mania. De sorrir, de sentir

De vagar, de falar.
De saber, entender
Mania de doer.

23/01 - Encontro, um poema-conto

Entrou no elevador e lá estava

O homem alto, calvo, de barba.
Era velho. Olhos mansos, traços finos, familiar
Do tipo que o fez parar, do tipo que o fez pensar
Conhecia o velho de algum lugar.
Talvez do bairro, da região
Não.

Era familiar; até demais.

Estava de pé, como um retrato do tempo
Imaginar isso, quem seria capaz?
Ter diante de si um futuro momento!

Quis saber das verdades que tinha pra si

Dos sonhos que queria cumprir
De tudo que lhe tinha feito sorrir

Saber um pouco mais do mundo

O que foi feito, o que foi desfeito, o que aconteceu.
Olhar pra si de um modo mais profundo
Que fim levara, durante os anos, tudo que conheceu?

Como estarão vivendo a família, os amigos, o amor?

O que estará fazendo, quando velho, naquele dia, no elevador?

Pensou no que falar; pensou em perguntar

Pensou, pensou e pôs-se apenas a pensar
O elevador parou; chegara ao seu andar
Partiria sem pergunta, resposta ou solução.
Viu a porta se fechar, assoviou uma canção.
Tinha o corpo a carregar, lhe pesou o coração.

24/01 - Aquele dia

Tenho saudades do mar

Saudades do teu olhar
Fingindo que não me queria
Desafinando a melodia
Enquanto eu me escondia

Tenho saudade de ti

De ver os teus olhos no mar
Fingindo não me querer
Mentindo não me amar

Por onde andará esse amor

Sozinho, fadado a vagar
No deserto de areia e calor
Esquecido, à procura do mar.

25/01 - Enquanto não vamos

A dança das folhas ao vento

Teus pés batendo no chão
Lembrança de antigo momento
Vislumbre de uma paixão

Escrevo, escrevo enquanto invento

Escrevo, de inspiração
Escrevo, caminho enquanto desenho
Minha estrada, destino, meu chão.

26/01 - Tudo é música!

Gota de chuva

Gosto de uva
Pele de luva
Tudo é música!

Você num vestido

Me falando ao ouvido
Me chamando de querido
Tudo é música

Uma história pra contar

Um poema pra versar
Uma sentença a declarar
Tudo é música!

De fora da estrada

Sem vestígio ou pegada
Eu vou, sem levar nada
E tudo é música!

27/01 - Versos de mp3

Chove lá fora e aqui

Invento o cais
Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Por isso não me deixe nunca, nunca mais

Meu sangue latino

Eu que já não sou assim, muito de ganhar
Tenho muito pra contar
Mas se você vem perto eu vou lá, eu vou lá

Se você disser que eu desafino, amor

Alguma coisa acontece no meu coração
Jogo num verso, intitulado mal secreto
Danço eu, dança você, a dança da solidão

Se ela disser que não lhe quer mais

Se oriente, rapaz
Isso não pode ser assim
Tristeza não tem fim.

28/01 - Rastapé

Morena, esse teu vestido rendado

Não me deixa ficar parado
Rodando doidinho que só

Rodando o vestido, morena, eu te levo

Te agarro, te jogo, te pego
Puxo pra dançar o forró

Morena, vem dançar de rosto colado

Arrastando a sandália no chão
Caindo um pouquinho de lado
Juntinhos, dançando o baião

Vem que a dança boa é de dois

Teu corpo com o meu apertado
Deixa o amanhã pra depois
Balança o vestido rendado

29/01 - Eva

Eva,

Me carrega de volta pra treva
Me esconde, me esquece, me enterra
Acaba comigo, me encerra

Eva,

Me chama e me tira da cama
Me faz levantar para a vida
Me cura essa carne ferida
Me acende a chama perdida

Eva,

Em sonho te peço, te imploro
Te escrevo, te falo, te adoro
Pega minha palavra e constrói
Que a falta de fé me destrói.

30/01 - Para Pedro

De dentro da floresta
O que me resta
Não presta
E ainda assim me testa
Esperando pra ver por qual fresta

SobreviveREI

De forma honesta
Sem ter que ficar pra festa
Longe de quem me detesta
Ou simplesmente me contesta
Por querer outra experiência que não esta.

31/01 - Inspiria

Inspiração é um barco que corre livre
Corajosa luz na escuridão
Gato encarando tigre
Rio que recusa mansidão

E corre, corre, corre
crendo no futuro desaguar
Ideia que nasce, vive, morre
Sem se saber onde vai parar

Pedra fundamental, partida da construção
Ponte da criação, revolução do olhar
Centelha, mistério da inspiração
Vindo de lugar nenhum, indo pra algum lugar.