Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de fevereiro

Projeto 'Um poema por dia em 2013'

01/02

A sociedade de Eddie

para Chris


Mais
Quer mais
Pensa que precisa, mais
Pensa que isso é vida, mais
Consumindo, consumida, mais

Mais, o bastante não será
Mais, mais espaço, mais lugar
Mais, mais pra me aliviar
Mais, mais, quem sabe, libertar

E mais querer
E mais poder
E mais ser
E mais ter

E querer mais do que ter
E parecer mais do que ser
E esconder mais do que ver
E mais e mais, mais até morrer.

(Para ver a verdadeira sociedade de eddie, clique aqui.)

02/02


Religando

Qual será a bússola moral
Capaz de dividir o que será em dois
Quem vai me salvar à beira do final?
Quem vai me convencer do que virá depois?

Viver, chorar, sentir, amar
É mais que o bastante, é só o que há
Eu e você, juntos assim
Importa o durante, muito mais que o fim.

03/02


Dou-lhe ARTE

Traz-me ódio
Eu te darei arte
Traz-me dúvida
Eu te darei arte
Meu sonho, minha esperança
Nunca sozinho com meu estandarte

Dá-me tua voz
Enquanto o vento avança
Dou-te a palavra
E até onde ela alcança

Um beijo, um olhar
Uma pena, uma lança
Inventa a memória
Pinta a lembrança

Qual fé, sistema, convicção
Vende sorrir, planta mudar
De boca em boca, libertação
A vida a seguir, a vida a pulsar.

04/02


O que queremos

Alguns amores, poucas dores
Que me poupem dos horrores
De me esgotar em sonhadores
Dispersos em vivas cores
Sobre sonatas e sabores
Entre exatas e valores
Candidatas e detratores
Na ânsia de sobrevivermos,
Senhores.

05/02


Uma breve história de vida

Uma breve história de vida
Que se faz partida
Pela mais querida
Em fria despedida

Uma história lida
Ou por então ouvida
Sobre a mão incontida
E a alma ferida
Há muito prometida
E por si só dividida
Em meio à colorida
Breve história de vida.

06/02

A figura

Por presente põe personagem
Como contente conta coragem
Pr'onde passará a palavra perdida
Quem cantará a canção conhecida?

Convencido, calado, corando cor de cerejeira
Banido, abalado, beirando o abismo
Bandido baleado burlando brincadeira
Contido, quebrado, caminhando comigo.

07/02

"
Quem se atreve a me dizer"


E a poesia, o que será?
Mistério jogado no ar
Alguém como tu me dirá
Mera brincadeira de rimar

E irei, sem rima então,
Ou qualquer semelhante
Parto a me lavar a alma
Auto-condenado a criar
Se nunca houve, faço como quero
Com própria lei
Atrás de melodia
Destino das palavras

Escrevendo sons, governando tons
E já me volto a combinar
Pois cá estou pra terminar
E uma vez mais perguntar
E a poesia, o que será?

08/02

 e mágica

O que somos todos
Senão sombras, pó e mágica
Espalhados por cada pedaço de mundo
Nascidos, vividos de lógica trágica

O senso de sentir
A força que nos move
O medo de cair
A fé que nos revolve

Mais que sobre, mesmo viver
Em sintonia, harmonia
Alegria. De crescer, querer, poder
Ser. A diferença insignificante, energia
Pó. Pó e magia.

09/02

O pensamento
Invento. De próprio tento
Alento e me contento
Com a noção do tempo
De que em algum momento
Me encontrarei sedento
Sempre em movimento
Ainda que lento
Aguento. E aumento
Fomento o mesmo que alimento
Num círculo sem fim de crescimento.

10-02

Filho do silêncio

Essa fome que não passa
Essa sede que sufoca
O incerto se disfarça
A incerteza me provoca

Essa ânsia me convoca
Enquanto o medo me transpassa
Teimo o coração, se revolta
Volta a razão e me arrebata

E ainda há a falta, me mal trata
Filho do silêncio, solidão
Vem dúvida, olha e me retrata
Príncipe, poeta, cancioneiro sem refrão.

11/02

Um poema por DIA

Não tenho o que me grita
Não tenho o que me excita
Não tenho que me agita
Mas tenho a poesia.

Não tenho o que me inspire
Sequer o que me ilumine
Tão pouco o que me define
Mas tenho a poesia.

Posso não ter o que me move
Não tenho o que me aprove
Muito menos o que me sobre
Mas tenho a poesia!

12/02

Outro
Pudera ser
Outro
Sem caminho de casa
Solto
Sem corrente ou amarra
Louco
Sem partida ou chegada
Torto
Caminhante na estrada
Pouco
Vendo o mundo de outra cara
Porto
Onde ninguém passa e ninguém para
Morto.



13/02

Blue

Did I let you down
Being the only one around
You

Looking in your eyes
Forgot to say goobye
True

Sorry couldn't stay
Wasn't mine to say
Fool

Now I stand alone
Living on my own
Blue

Blue, blue, blue, blue
Without you

Blue, blue, blue, blue
It's sad but it's true

Blue, blue, blue, blue
Yes, I became the fool

Blue, blue, blue, blue.

14/02

Mil

Serei mil
Mil vozes, mil corpos, mil almas
Vendo por outros olhares
Por outros lugares
Sentir, sentir e viver
Mil vezes
Como homem, mulher, velho ou criança
Palavra, pensamento, sentimento
Mil vidas
Mil vezes
Serei mil.

15/2

Até o novo

Tentar de novo
De novo errar
Amar de novo
De novo chorar
De novo lutar
De novo sonhar
De novo, de novo, de novo
Caminhar de novo
De novo me perder
De novo me encontrar
De novo, o novo
De novo e de novo.

16/2

O mergulho

Posso ouvir o barulho
Posso ouvir o mergulho

Entre a multidão de sons da minha tarde
Posso ouvir o mergulho
Me hipnotiza
Me tranquiliza

Posso ouvir o mergulho
Em contínua melodia
Uma breve sinfonia

Ouço e não deixo de ouvir
Ouço e estou maravilhado
Ouço o mergulho a prosseguir
Ouço e estou quase apaixonado

O som se cala, fala o sentimento
Por uma tarde, por um momento
Quase posso ver, posto a imaginar
É meu o mergulho, sou eu a mergulhar.

17/2

Seu nome

Você tem meu nome
Agora parta e me abandone
Vá pra longe, se apaixone
Enquanto fico aqui, insone
Na linha traçada de tédio
Por assédio, sem remédio
Por erro e acerto
Restrito ao desconcerto
De ver-te ir
Partindo por partir
Sem se despedir
Leva meu nome e some
Me faz nunca mais dormir
Meu nome roubado num sorrir.

18/2

O amor em fantasia

Que venha efêmero, passageiro
esse amor em fantasia;
Incerto, eterno, estrangeiro
Sorriso de mente vazia;

Que acorde luzes, cores no escuro
Amargo sonho, sabor inseguro
Do que não foi, não é, nem pode ser

Que seja feito e satisfeito
Vivo, forte e mais perfeito
E tudo ainda em seu poder

Que uma noite, noite sem defeito
Se faça em leito, de próprio jeito
Meu imaginário de prazer.

19/2


Vice-versa

Te amo e te odeio
Certeza, meu receio;
Te odeio, mas te quero
Em sonho te espero;
Te quero e me machuco
Me faço de maluco;
Machuco e peço mais
Para ver se encontro paz;
Mais e te mando embora
Pra te pedir de volta alguma hora;
Embora e assim vai meu ano
Te xingo, te odeio, te amo.

20/02

O refrão

Meu verso em poesia
Dá valor à tua ação
Um verso por completo
A metade de um refrão

E haveria de dizer tudo
Um estado de amor e confiança
Na música completa, no poema
No refrão não terminado uma lembrança.

21/2

Do que me falta

Vou dizer que estou assim, meio vazio
Como um homem que se enxerga por um fio

Refém desta tal expressão
Entrando no olho do furacão

Sem ceder, me sobrará memorabilia
No canto da sala, na casa da família

Fazendo o que posso, o suficiente
Ainda de pé, de corpo presente.

22/2

The Doors

Abertas as portas
Que se façam as notas
Entre graves e agudos
Abençoados e sortudos
Melodia e semi-tom
Energia em puro som
Do vazio em uma frase
À verdade de uma base
As portas da percepção estão abertas
Convidando às descobertas
Às liberdades mais secretas
O segredo me liberta.

23/2

Longe

Só pode vir da lua
O brilho deste olhar
É luz somente sua
Dispersa pelo ar

Que voe, singela palavra
Que vá e a pegue na cama
Corre por cima da estrada
Vá lhe dizer quem a ama

Ama e lhe manda uma paisagem
Longe, lhe faço uma canção
Que fique bem e tenha boa viagem
Que volte logo pro meu coração.

24/2

O poeta e a rainha

Escrevo a vida a dois
E deixo pra depois
Tudo que puder ser

Escrevo pois
Em linhas boto que sois
O que não encontro no saber

Sua inconstância, seu mistério
Seu poder de surpreender
O semblante fechado, sério
A postura de uma dama do poder

Do poder de si, ti
Mulher rainha que se vê na vida
E ainda para pra sorrir
Mulher menina amante mais querida.

25/2

Pequenos versos do dia

Cai o mundo lá fora, chuva forte, barulhenta
Chega-me aos ouvidos, como cachoeira violenta;

Vejo uma menina,
toca os muros da rua com a mão ao caminhar
É minha própria imagem de quando criança,
fazendo o mesmo a caminho de nadar;

Logo ali está o homem de chapéu
Sorri com vontade, olha pro céu
Me faz pensar em escrever sobre ele
Um homem, de pé, numa rua, de chapéu;

Penso em frações, escrevo versões
Não desenvolvo qualquer uma
Relances de um dia, ficções
Pedaços de vida nenhuma.

26/2

Roberto, meu pai

2013, 26 de fevereiro
Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
Apanho um papel, faço uma poesia
Escrevo e dedico ao homem da calmaria

'De onde vem a calma', cantava a canção
Qual sangue, qual cabeça; ela vem do coração
Sobra generosidade no homem de pouco
Costas largas, peito aberto, touro

Camisa dez, com a bola nos pés
Ou na TV, vendo o Botafogo perder
Operário da família, viajante
Brasileiro, cavaleiro andante

Segundo entre cinco, pai de três pois
Marido de uma mulher, nascido há sessenta e dois
Devoto de nosso senhor
Pai de beijo, abraço e amor

Me fizeste um poema quando eu nasci
Te escrevo um poema, feliz que estás aqui.


27/2

Quero ser pequeno-burguês

Meu sonho, meu pequeno sonho
A idéia a qual me abandono
Meu sonho, meu pequeno sonho cobiçado
Meu sonho, meu pequeno sonho apequenado

Ter o que todo mundo tem
Ter porque isso me faz bem

Meu carro novo
Meu trabalho velho

Vida de escravo
Por um teto em fim de vida

Quatro quintos trabalhados
O restante aproveitado

Uma pequena vida
Para ser vivida em quintos.


28/2

Galinhas

Esta noite eu lhe propunha
Tomarmos como testemunha
O mulato carne e unha

A nuvem se acrescia
Calando consigo o dia
Abafando qualquer alegria

Da noite
transformada em foice
Pela ponta de um açoite

Da ignorância crua
No sangue da pele nua
Sob o frio olhar da lua.