Encruzilhada

Encruzilhada

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

E acabou o Carnaval. E aqui está o Oscar novamente.

Texto originalmente publicado no ORNITORRINCO.

Um ano depois, estou no mesmo lugar. Ainda vendo o Oscar como uma premiação americana para o cinema americano e mais uma prova de que eles só se importam e se bastam com o que eles fazem. E, por isso, continuo achando que nós, do Brasil - e possivelmente todos os não americanos ou não falantes da língua inglesa - deveríamos ter menos frisson por tudo isso que está aí. E só falar sobre o assunto já é chamar atenção para o evento e fazer a máquina de dominação cultural girar...


Mas ao mesmo tempo, na tentativa de ser menos amargo e doutrinador como minha esposa me pediu, me pergunto: será possível alguém gostar de cinema e ignorar completamente o principal prêmio da maior indústria do meio?

Minha questão não é só cultural. Há também um incômodo com o julgamento de arte como uma corrida de quem chega primeiro. E com a tradição deplorável da sociedade americana em separar as pessoas entre vencedores e perdedores. E de transformar tudo em comércio (o que por outro lado é uma característica fascinante, essa capacidade de capitalizar em absolutamente qualquer coisa).

Porque é isso que o Oscar é, no fim das contas: um jogo de poder, política e dinheiro.
A temporada de prêmios existe para movimentar o mercado no fim do ano e dar prestígio artístico à produção de uma indústria com os dois pés afundados na comercialização e massificação do ofício.

Trata-se de um evento milionário pra quem está organizando, cobrindo ou participando. Números publicados pelo Hollywood Reporter há dois anos dão conta de que, na edição de 2012, a Academia gastou cerca de 38 milhões de dólares e lucrou quase 90 milhões com a coisa toda. Dados do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Los Angeles dizem que a ‘febre do Oscar’ injeta 130 milhões de dólares na economia da cidade todos os anos. Pelos direitos de TV, a ABC paga 75 milhões anuais à Academia. E notícias de 2015 anunciam que os indicados e apresentadores deste ano receberam uma bolsa de presentes com itens no valor total de 125 mil dólares.

E o Oscar, não se engane, é também uma corrida política. O que significa que os produtores fazem campanhas milionárias para que seus filmes, atores e técnicos sejam escolhidos pelos eleitores (membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas). E que atores, especialmente, abusem do tapinha nas costas e dos sorrisos para conseguirem os votos de seus colegas. Não à toa, as cerimônias são notoriamente longas e chatas. Haja autocongratulação pra tanto ego.

O circo consolida o imaginário de que celebridades (no caso, hollywoodianas) são a nobreza destes tempos. Filmes premiados invariavelmente engordam a bilheteria. Atores premiados podem ganhar uma turbinada no status e no cachê (apesar da velha maldição - Cuba Gooding Jr., Hillary Swank, Halle Berry e Adrien Brody que o digam). E há o tal do já mencionado prestígio, “primo da promíscua popularidade”.

Cinismo à parte, foi um bom ano para o cinema americano. E alguns de seus grandes filmes parecem ganhar o devido reconhecimento entre os eleitos de 2014. Refiro-me, especialmente, a ‘Birdman’, ‘Boyhood’ e ‘Whiplash’, três filmaços de propostas, linguagens e intenções distintas. Outros favoritos meus, ‘Nightcrawler’ (‘O Abutre’ no Brasil) e ‘Garota Exemplar’, foram ignorados. Desprezo ‘American Sniper’ (apesar de fã de Eastwood) e admiro com pequenas reservas ‘Hotel Budapeste’ (vencedor técnico da noite), ‘A Teoria de Tudo’, ‘Selma’ e ‘O Jogo da Imitação’.

Mas muito mais relevante que qualquer opinião deste modesto e autodepreciativo escriba são os comentários do mago Mark Kermode, o principal crítico britânico de cinema e cujas resenhas, videoblogs e comentários gravados no programa de rádio e publicados no youtube eu altamente recomendo.

As questões de Kermode com o Oscar são menos relacionadas à dominação cultural (obviamente, já que ele é inglês). Gostaria de saber o que Pablo Villaça, meu crítico favorito no Brasil, teria a dizer sobre o assunto.

Em um de seus posts , Kermode é certeiro ao discorrer sobre a polêmica de que o prêmio, neste ano, está especialmente branco, uma questão abordada pelo apresentador triple-threat Neil Patrick Harris logo na abertura com o tom preciso de sarcasmo. Num ano em que David Oyelowo abordou de forma admirável a vulnerabilidade e, por consequência, a grandeza de uma figura tão mítica quanto Martin Luther King (em ‘Selma’), não há negros indicados nas categorias principais (apesar de um latino aqui e ali), o que ganhou ainda mais evidência por ‘12 Anos de Escravidão’ ter feito a limpa ano passado. Mas com direito a uma performance pungente, que levou alguns na plateia às lágrimas, Common e John Legend, negros, levaram por ‘Glory’, também de ‘Selma’, o prêmio de Música Original.

Voltando a Kermode, além de lembrar a (tradicional) ausência de mulheres das categorias roteiro e direção e citar o sexismo e a predominância masculina e caucasiana na Academia, onde 90% dos membros são homens brancos – algo meio que assinalado no discurso de Patricia Arquette, vencedora na categoria Coadjuvante por ‘Boyhood’, quando ela pediu salários iguais para homens e mulheres na indústria – Mark lembra que quando Hattie McDaniel se tornou a primeira negra a ser indicada e vencer um Oscar, em 1940, por ‘E o Vento Levou...’, ela teve que sair da área segregada em que estava sentada na cerimônia para receber seu prêmio.

“A única coisa surpreendente de ser um Oscar todo branco e masculino neste ano é que alguém se surpreenda com isso”, ele diz.

Em geral, no entanto, Kermode concentra suas críticas ao evento mais pela injustiça dos não-nomeados, muitas vezes em função de serem ‘notícia velha’ ou da suposta memória fraca dos eleitores.

Como um antídoto para o Oscar, ele criou sua própria premiação, o Kermode Awards (com estatueta e tudo), onde ele sozinho escolhe os vencedores e, pra concorrer, você não pode estar indicado na Academia.

Se interessar, deem uma olhada. Nada de três horas ou comerciais intermináveis. São só dois vídeos de cinco minutos...

Kermode Awards Parte 1
Kermode Awards Parte 2


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Poema do inverno branco

Vez por quando
Logo ao apagar da solidão
Essa cidade chora branco
Lágrimas geladas pelo chão

Um dia claro se anuncia
E a noite, derramada em mansidão;
O inverno faz deserto praia fria
Ganho abraço da escuridão

Sumo na floresta dessa neve
Caminho a passo lento, redenção;
Acesa, a criança se atreve
Pulsa novamente o coração.