Encruzilhada

Encruzilhada

A escolha de Sofia - um conto

A escolha de Sofia

Um conto de Lucas Gutierrez





Tinha passado a noite de sua vida com aquele homem.

            Sofia não queria estar aqui hoje. Nenhum problema com o aqui, mas com o hoje. Ou melhor, o maior problema era de fato a combinação aqui-hoje. Poderia estar aqui em algum outro dia, alguma outra época de sua vida. Mas não hoje. Não que tivesse algo especial pra acontecer hoje. É justamente isso, não tinha. O mais próximo do especial que tinha era o aniversário de 82 anos de sua avó. Sofia foi uma das primeiras a chegar. Abraçou a avó carinhosamente e logo depois apanhou um bombom no móvel de entrada. Os tios e primos que iam chegando lhe perguntavam sobre a viagem. Sofia respondia com qualquer afirmação protocolar, sem dar corda para o desenvolvimento de uma conversa mais longa. Incomodava-se com o fato de a viagem ainda habitar seus pensamentos. Mal havia chegado de férias e não conseguia de fato voltar para sua vida de sempre. Escapando pelo corredor, Sofia caminhou até a janela do quarto da avó, com vista para o céu, brilhante numa noite estrelada de maio. Abriu o bombom envolto em papel vermelho e mordiscou um primeiro pedaço.
Na última noite de Sofia naquela viagem, acontecia um tipo de festa na praia, um luau ao pôr do sol. Lá estava um monte de gente que ela nunca tinha visto antes. Era uma das coisas mais espetaculares que já tinha testemunhado, algo que ela sabia não ter vivido em vinte e tantos anos. Naquele momento, ao entardecer à beira-mar, Sofia teve a impressão de um mundo gigante; vislumbrou por um segundo possibilidades incontáveis; e sentiu-se como a única se dando conta de tudo isso naquele instante, em todo o planeta. Era capaz de quase tocar um dos significados da vida ao realizar com toda a fé e esperança do seu coração que tudo parecia simples. Naquele fim de tarde, estava com o vestido novo, comprado num mercadinho da cidade. Era de linho, solto no corpo, cor azul, e as alças finas deixavam escapar nos ombros os laços da parte de cima do biquíni branco que ela usava por baixo da roupa.
Sofia viajava muito, fosse pelo trabalho, fosse de férias. Era a coisa que mais amava no mundo. E muitas vezes ele não podia acompanhá-la. Tinha o trabalho, alguns estudos adicionais ainda por terminar. Não tinham problema com isso, ele a tinha conhecido assim. Ela viajava, ele ficava. Às vezes sentia-se quase aliviada, pois adorava aproveitar sozinha ou ao lado das amigas, conhecidas entre tantas viagens, espalhadas Brasil e mundo afora. Ao fim da viagem, Sofia retornava renovada para os braços dele. Não foi o que aconteceu desta vez. No fundo, a coisa parecia maior. Talvez Sofia estivesse feliz com sua vida de sempre. Quando estava vivendo a sua vida de sempre. Porque quando viajava, tornava-se outra pessoa. Queria o mundo, conhecer e conversar com o máximo de pessoas possível. Ouvir todas as histórias, falar com todo mundo. Não parava um segundo. E as pessoas simplesmente vinham falar com ela. Porque além de bonita e atraente, parecia transpirar, exalar essa vontade, esse brilho de querer descobrir, ouvir, falar, conhecer.
Foi o caso daquele inglês engraçado que ela encontrou quando foi mergulhar. Já era noite na praia. Simon, um tipo jovem, branquelo, ruivo, barbudo e magricela perguntou o nome dela e de onde ela era. Em seguida, perguntou se queria beber alguma coisa. Não se tratava de uma cantada, o simpático sujeito de fato cuidava do bar da praia, logo ali adiante. Um quiosque de palha e pau a pique com um balcão de madeira. Vazio, uma vez que todo mundo estava na fogueira, lá pro meio da praia. Saíram do mar e o inglês lhe preparou uma caipirinha. Nunca tinha vindo ao Brasil, mas sabia fazer caipirinhas. Sabia um monte de coisa do Brasil: tinha ouvido falar do Rio de Janeiro, de Fernando de Noronha, e até mesmo de Ilha Grande. Sabia mais do Brasil do que ela da Inglaterra. Sofia conversava com Simon quando apareceu no bar um grupo de cinco pessoas - dois homens e três garotas. O inglês a deixou por um instante e foi atender o grupo.
Na janela do quarto de sua avó, Sofia mordiscava o bombom de chocolate enquanto pensava nele. Chegaria a qualquer momento. Tinham se encontrado apenas na noite em que ela voltara, dois dias atrás, quando ele foi buscá-la no aeroporto. Ela esperava conseguir se comportar normalmente quando voltasse. Mas nada parecia normal desde que ela havia chegado, especialmente ao se reencontrarem. Durante o jantar, durante o sexo, durante o resto da noite e o dia seguinte, a cabeça de Sofia não estava ao lado dele e não parava de funcionar. Não tinha dúvidas do que queria. De tudo que poderia ter, só queria tempo. Parado. Não pra ela mesma, mas pra ele. Para que ficasse parado, esperando por ela. “E quem espera”, pensou. Lembrou-se de quando seu ex-namorado lhe pedira em casamento. Como poderia ser esposa tão nova? Lembrou-se de como se sentiu aliviada com o pedido, mesmo resoluta em recusar. Lembrou-se de toda sua história com ele. Do início. Com ele é diferente. Queria... quer ser mulher dele. Mas a mulher dele não seria ela. Não ela, hoje, aqui. Hoje e aqui. Ela o amava. Mas quem disse que tem a ver com amor?
            Sofia tomava seu drink e observava Simon na outra mesa quando notou um homem olhando pra ela. Seu olhar cruzou com o dele. Ele estava neste grupo que tinha acabado de chegar, com outro rapaz e três meninas. Não saberia explicar, e mal saberia descrever o que lhe aconteceu naquele instante. Mas quando trocou olhar com aquele homem, sentiu uma coisa percorrendo seu corpo. Sorriu. E não pôde parar de olhar. Tentou disfarçar; não conseguiu. Ficou com vergonha, queria se esconder, queria ir embora. Queria ir até a mesa dele.
Viajando por aí, Sofia conversava com todo mundo; sempre a mais agitada, a mais animada. Acompanhada de uma amiga ou mesmo sozinha, como em muitas de suas viagens, era cortejada por muitos homens. Poderia ter cortado todos eles em começo de conversa. Ainda que não, porém quase inconscientemente, muitos, ela incentivou. Provavelmente numa espécie de libertação moralmente mais aceitável para alguém que não enchia uma mão com os homens com quem tinha se relacionado. Sofia começou a namorar cedo, acabou quase emendando um relacionamento no outro. Talvez fosse apenas um afago no ego, uma prova para descobrir a extensão do seu poder de sedução. Talvez fosse apenas um jogo inocente. Qualquer que fosse a razão, fazia-os se aproximar e se interessar entre sorrisos e uma mão sedutora invariavelmente lançada ao cabelo dourado, luminoso. No entanto, Sofia sempre manteve em rédeas curtas o comando absoluto sobre as consequências de seu charme e nunca deixou que passassem de um mínimo flerte; sabia até onde podia ir. Mas com aquele homem, nada havia sido planejado, nem no mais profundo nível de sua consciência. Era como se não conseguisse controlar. Ele a olhava fixamente do outro lado do bar, ignorando a conversa dos outros. Simon voltou, perguntou da bebida. Sofia respondeu qualquer coisa. Mal podia desviar o olhar da mesa em frente. Empenhou-se na tarefa. Estava incomodada e intrigada com a falta de domínio de si e o calor que circulava por seu corpo. Puxou um papo com Simon; mudou a cadeira de lugar, de modo que pudesse desviar o olhar direto da mesa da frente.        
            Sofia comia o bombom meticulosamente. Primeiro, mordia a parte lateral completa. Em seguida, apanhava com a boca a parte superior. Restava agora a base de chocolate e o recheio de avelã. Da janela, podia ouvir as vozes da família, reunida na sala em torno dos anos da avó. Costumava sentir-se bem nesses encontros. Mas não hoje. Nesta noite, estava angustiada. Enquanto lambia os dedos, apoiando na palma da mão o que restava do bombom, reviveu a sensação da semana anterior, da viagem. E pensou em todos os dias em que gostaria de ter acordado na cama de outros homens. Ou não necessariamente na cama de ninguém; todas as noites em que gostaria de sequer ter dormido. E todos os dias em que gostaria de estar em outro lugar, respirando outro ar. Sendo outra que não esta.
            Mesmo sentada em outro lugar, e com Simon à sua frente, Sofia não pôde deixar de ver quando o rapaz saiu da mesa e veio até o bar. Em inglês de estrangeiro e sem desviar o olhar para Sofia, perguntou a Simon se havia algum lugar para lavar as mãos. Simon apontou uma direção, nos fundos do bar. Por um breve momento, Sofia se viu encarcerada em seus próprios pensamentos imaginando quem seria aquele homem. Seu nome, de onde vinha, o que fazia, por que escolhera aquela praia naquela época do ano. Em seguida, Simon lhe deixou sozinha e voltou-se para o bar. Ela esperou alguns segundos, disfarçou e se levantou da cadeira. Caminhou na mesma direção indicada por Simon. Chegou aos fundos do bar, uma parede ladrilhada de amarelo com uma pia do lado de fora e uma porta para o lavabo. Ali estava ele, lavando as mãos. Quando já as enxugava, percebeu a presença de Sofia, impávida, à sua frente. Olhares se cruzaram novamente, agora próximos, sem obstáculos, disfarces ou distrações. Ele chegou mais perto. Possuída por alguma energia que nunca havia sentido antes e agora tomava conta de seu corpo, despindo-a completamente de pensamentos, ela correspondeu. Num passo, num véu de delicadeza, fizeram da distância, nenhuma; olhos nos olhos, fechados; lábios nos lábios; e a boca, uma. Num beijo, isolados, num minuto esgarçado, sozinhos no mundo.
            Terminaram o beijo e voltaram ao planeta Terra. Sem palavras, ela baixou os olhos, desconcertada. Mordia um lábio e parecia não acreditar no que tinha acontecido. Queria se esconder, fugir, gritar, sair correndo. Permaneceu ali, de pé, apoiada nas sandálias desgastadas de tantas viagens. Colocou uma mecha da franja pra trás da orelha. “Eu te vi” disse ele, gentil, num inglês de turista. “Eu sei, eu também te vi” respondeu ela, na mesma moeda. Coração quase saltando pela boca, ainda ruborizada e surpresa pela própria coragem, não sabia o que dizer. Mil pensamentos lhe ocorreram à mente; a imagem do namorado, o mais presente e preocupante deles. Estava com a estranha sensação de viver um sonho, meio pesadelo, sem acreditar ou se sentir no controle de suas ações. “Meu nome é Ignacio” disse ele, ainda em inglês universal. “De onde você é?” ela perguntou, quase sem querer. “Espanha”, respondeu ele. “Sofia. Brasileira” ela completou, em português. Ignacio sorriu. E a convidou para se sentar junto de seus amigos. Ela foi.
            Sofia mordia a avelã quando sua tia se aproximou.
- Ainda está no fuso horário do outro lado do mundo? - perguntou.
- Mais ou menos, demora pra gente se acostumar – Sofia respondeu.
- Como foi de viagem?
            - Muito bem. Tudo lá é lindo.
            - Sua mãe me disse que você foi sozinha.
            - Fui.
            - E não é muito solitário?
            - É ótimo. Eu recomendo muito. Você conhece mais gente e aproveita de uma maneira completamente diferente do que quando vai acompanhada.
            - Deus me livre! Ficar rodando por aí sozinha, sem ter com quem compartilhar, com quem dividir as descobertas ou as dúvidas ou os problemas da viagem. Já passei dessa fase...
            - É uma experiência especial, tia. Experimente um dia. 
            Quase saindo, ela ainda brincou:
- E o ‘noivo’, onde ele está?
Sofia terminou de comer o bombom, amassou o papel vermelho e olhou no relógio para então responder:
            - Ele deve estar chegando.
Uma hora depois do encontro no bar, Sofia estava com Simon e os amigos de Ignacio no luau da praia, com mais um bando de jovens turistas da vila. Ele era médico, em período de residência na sua Espanha natal, de férias por ali. Ela falou de sua vida, de suas viagens, de seu trabalho; mas não mencionou o namorado no Brasil. Ele não perguntou. E ainda que sem forçar nenhum contato, tentou se aproximar dela algumas vezes. Na mais direta, ela se esquivou e disse que ia dar um mergulho. Tirou o vestido azul, e foi para mais um banho noturno.
Ele caminhou atrás dela, e a ficou esperando sair do mar, negro como a noite, que àquela hora parecia unido ao céu, formando uma coisa só. Sofia mergulhou nas águas calmas da baía; deitou-se para boiar, mirando o céu encravado de estrelas. Ficou ali por vários segundos, talvez alguns minutos. Na areia, Ignacio se sentou. Segurava o vestido de linho dela enquanto a observava deitar entre as águas, como se estivesse numa piscina, numa tarde de sol. Maravilhou-se quando Sofia saiu do mar, biquíni branco, cabelo molhado, jogado pra trás. Era uma menina quem estava boiando no mar de breu daquela noite. Era uma mulher quem saía da água, passo firme sobre a areia, na direção dele. Estava plena, inteira, viva. Ignacio devolveu-lhe o vestido entregando junto um ‘linda’ meio em espanhol, meio em português. Ela sorriu, colocou o vestido e o puxou pela mão de volta para o luau. Era a primeira vez que se tocavam desde o beijo. Ela apanhou um drink e disse alguma coisa para Simon; sorriu e brindou com os amigos de Ignacio. E então se voltou pra ele; só pra ele. Começaram a dançar. Ela, de corpo molhado, com o biquíni úmido deixando sua forma marcada no vestido de linho azul. Ele se aproximou, envolvendo-a com um de seus braços pela cintura. Pôs os lábios no ouvido dela e desceu para o pescoço. Ela fechou os olhos e jogou a cabeça levemente pra trás. Ele a beijou no pescoço e subiu, deslizando lentamente a boca pelo rosto dela até vencê-la com um beijo. Sofia correspondeu, beijando-o como na primeira vez, nos fundos do bar.
Sofia saiu do quarto e foi para a cozinha. Bebeu um copo de água; jogou o papel vermelho do bombom no lixo; lavou as mãos. Viu-se diante da porta de serviço. Ao virar a chave, foi interpelada pela mãe. “Aonde você vai?” a mãe perguntou. “Vou pegar um ar e já volto” ela respondeu, antes de abrir a porta e sair, saia agitada, partindo em direção às escadas, ao portão do prédio e à praia, alguns quarteirões distantes dali.
            Beijaram-se a noite inteira. Conectaram-se, estavam combinados. Mal se falavam. Trocaram carinhos dançando; sentaram na areia e continuaram a se beijar. De pé novamente, permaneciam agarrados, incansáveis, inseparáveis. Ela olhava fundo nos olhos dele e não via nada. Nada de futuro, nada de passado. Enxergava apenas o presente. Um presente de momento que ela sentia lhe arranhando levemente o rosto com a barba baixa enquanto notava as mãos dele investirem sobre seu corpo; uma apoiada na cintura, sentindo que embaixo do vestido estava o tecido do biquíni, segurando junto com o braço a tensão entre os corpos e de vez em quando dando um aperto de tesão naquela mesma cintura; a outra com dedos macios lhe acariciando os braços, deslizando pelo ombro até apanhá-la pelo pescoço para, em seguida, subirem atrás de um refúgio por entre os vastos fios dourados. Ao fim do luau, em alta madrugada, Ignacio se separou dos amigos para levá-la ao hotel. Agarram-se à porta do quarto por alguns minutos. Entraram.
            Sofia fechou as cortinas, mas manteve a janela aberta e as luzes apagadas, criando um tom quase azulado pela luz da lua que invadia o quarto àquela hora da noite. Beijaram-se de pé até que ele a deitou na cama. Lenta e delicadamente, usando nada mais do que as pontas dos dedos das mãos, Ignacio levantou o vestido por completo. Deixou-a despida, apenas de biquíni branco, deitada sobre os lençóis, olhos fechados, braços jogados pra cima. Tirou a camisa e colocou-se por cima dela, pele com pele, num calor ansioso. Passeou com seus lábios pela pele de Sofia e desamarrou com precisão e carinho a parte de cima do biquíni, deixando-a com o torso nu. Apanhou-a mais uma vez pela cintura e, sentado, encaixou-a sobre seu colo, pondo os lábios sobre seus seios, tocando-lhe a pele com a ponta da língua úmida. Beijou-a mais uma vez na boca, longa e calorosamente. Deitou-a novamente e usando as duas mãos, puxou devagar a parte de baixo do biquíni branco, deixando Sofia completamente nua sobre a cama, linda, livre, abandonada e iluminada pelo pouco de luz que restava na madrugada. Ignacio despiu-se por completo e se jogou aos pés dela, à beira da cama, subindo com a boca por suas pernas. Pôs-se então a beijá-la profundamente. Um beijo molhado, faminto, que fazia Sofia gemer baixo, de olhos fechados. Ela sentia a língua e os lábios de Ignacio combinados entre si para conquistá-la por completo. Explodiu de prazer ao fim de alguns minutos. E logo estavam agarrados, ele por dentro dela, duro, quente e forte. Vez por outra seus olhos se cruzavam com os dela, castanhos, escuros, rendidos. E ele a beijava. Trocaram posições, trançados; pernas enlaçadas, braços soltos, leves, mãos no comando, a paixão em movimento entre seios, pelos, peles; suados, os corpos seguiram, molhados, ardentes, ligados, entre lábios mordidos e dentes trincados, entre sons, gemidos, e olhares fixados; seguiram com força, juntos, até o fim.
            Àquela hora da noite, as ruas de Copacabana já se aquietavam. Sofia caminhou apressada, como quem sobe, sem fôlego, do fundo do mar, em busca de um respiro. Passos de aperto em busca de uma liberdade que, naquele instante, só a praia poderia lhe dar. Já podia ver o fim da rua, com o mar ao fundo. Ao chegar, parou por um segundo. Respirou e tirou as sandálias; ergueu a saia que lhe alcançava os pés. Caminhou um pouco pela areia em direção ao mar e se sentou. Chorava por dentro. Em sua cabeça, berros e mais berros revoltando-se com a impossibilidade de ser mais que uma só mulher, a incapacidade de viver mais que uma única vida. Queria ser criança, homem, musa, filha, mãe, amante, santa, esposa, lésbica, namorada, puta. O que deveria ser? O que poderia ser? O que poderia ter? O quanto teria que perder por conta disso? Qual dessas escolhas, com quais variáveis, em quais condições e combinações lhe trariam o melhor caminho? Ela o amava. Mas não lhe era o suficiente. Já acontecera antes dele. E agora, sentia novamente não poder viver apenas com amor; não aqui, não hoje. Não com ele. Viveria uma paixão? Apenas uma única grande paixão? Quantas grandes paixões ela poderia ter? Haveria outra? E mais uma, e outra, até que se sentisse satisfeita? Estaria satisfeita? Haverá satisfação? Sentia o amor e sentia a ânsia, a náusea; o desejo. Não, o amor dele não lhe bastava. Queria mais. Queria o que não poderia ter com ele; não apenas com ele. Sexo, outro homem, outros homens, outras vidas, outras histórias conectadas, cruzadas com a sua. Sentia um impulso de dar as costas e viver outra vida, como se pudesse congelar sua versão atual e se dedicar exclusivamente a outra persona. Retornaria depois, quando bem entendesse, para retomar seu ‘eu’ antigo e iniciar uma terceira tentativa, tendo como base duas coleções de experiências. Poderia voltar para ele. Até lá, seria a carismática, a sedutora, a fascinante; a sedenta Sofia que vagava pelo mundo em busca de vida.
Tudo lhe soava lindo nos planos da mente, mas havia ele. Aqui e hoje. E tudo que tinham feito, enfrentado, planejado? E tudo que iriam fazer juntos? Como dizer a alguém ‘eu te amo e não me basta’? E não havia garantia de nada. E se, uma vez rompidos, viesse o arrependimento? Poderia tê-lo de volta? Perdoar a si mesma ao perceber que estava errada em deixá-lo? Como viver com isso? Ao mesmo tempo, como poderia saber o valor de tudo que se perde de um lado sem enxergar as possibilidades do outro? Sofia pensava, pensava sem parar; estava inquieta, nervosa. Imaginava a cena, o encontro com ele; suas palavras, a reação dele. Foi quando percebeu a presença de alguém ali por perto. Ergueu os olhos para encontrá-lo.
Ali estava ele; de pé, descalço, sapatos na mão; esperando por ela. Ofereceu-lhe a mão, ela sorriu, meio sem vontade. Ele se sentou ao seu lado. Por um momento, buscaram se conectar mais uma vez, em silêncio. Os dois olhando aquele mar escuro, continuação da noite profunda e estrelada de maio; a praia, tomada pelo som das pequenas ondas que quebravam ali adiante, parecia lhes abafar os pensamentos. Ele não disse nada. Aproximou-se de lado, passou-lhe um braço pelos ombros. Sofia tinha as mãos trêmulas, peito acelerado. Sentia uma corrente de euforia disparar por seu corpo. Como quando tomamos consciência da chegada de um momento importante; como quando sabemos estar próximos de um fim. Sofia passou uma mecha da franja dourada para trás da orelha, respirou fundo. Puxou um punhado de coragem do mais distante pedaço do coração, concentrando toda sua força para trazer o ar em forma de voz. Tinha uma força desgovernada a lhe empurrar por dentro, adiante. E não lhe sobrou energia para uma lágrima sequer. Apenas o suficiente para abrir a boca, aquele belo par de lábios rosados que ele tantas vezes tomara pra si, nos mais diversos beijos: o quente, o de todas as horas, o cúmplice, o fugaz, o doce. Aquela mesma boca agora lhe falava, quase num respiro de alívio:

- Ignacio, preciso te dizer uma coisa.