Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de agosto

01/08

around and around

They come, they go
Around
They run around
Like rats in town
Going down, down

I walk, I pass
I stand, no rest;
I try my best
And nothing lasts

You see me now
It's all about
The past
You neglect
The mess
Your regret
It's all about that.

02/08

The shadow of your night

Dark blue
I fall in love with you
The color of the night
Brings me the sight 
Of you behind the sheets
Bodies meet
Get together once again
In bed, through the pen
We're alone
With summer to the bone
The heat wakes up the city
And you so pretty
Right there
Unware
That morning comes
And day has now begun.

03/08

Passeio com passagem só de ida

Andar.
Poderei voltar?
Saberei amar?
Voltarei só.
Cantarei-te
Ilusões perdidas de uma noite.
Poderei falar?
Um a mais, por sorte
Quem me vai salvar?
Quem vai me segurar?
Lembrarei-te.

04/08

amanhecer na Praça do Tempo

Sigo o caminho das luzes de neon
À praça, ao centro
O fim da noite ilumina minha vinda
Ao deserto do tempo
À Praça do Tempo.
A tristeza de um frio amanhecer
A beleza de um vazio amanhecido
O lamento de uma festa vazia;
Asas na Praça do Tempo
Anunciam o sol no horizonte da cidade
Um bocejo da cidade que não dorme
Corre, nasce. sobe o dia
Um dia a mais, no infinito
O dia nasce na Praça do Tempo 
O horizonte é o fim da rua
O dia vem, a cidade caminha
O sol ilumina minha volta
Sigo acordado.

05/08

Carta à mãe

para Carmen 

O primeiro pedaço de mim jaz longe
E chora
Por não saber por onde
Caminho esses dias

Embarga a voz, aperta o peito
Me procura, me chama
Não estou.
Me imagina, me ama,
Me vou.

A saudade
Só se fala em português
A verdade
É distância, dessa vez

Pois saiba, mãe, que vives aqui
Comigo
No sorriso franco
Destemido
Na lágrima de cada pranto
Ferido
Que é, quem falta 
E quem fica
Pois fui você e sou você
Em outra vida
Minha querida, tão querida

Sossega a saudade
E o silêncio lancinante
Que logo nos vemos
Nos vemos adiante.

06/08

Trocar a roupa da alma

Desnudo corpo
Vazio sopro
Despida alma
Pele fina
Carne crua
Corte nu
Vestes desmanchadas no ar
Em distância e memória
Neo-nascido, parido do céu
Caído no chão
Em essência, presença
E confidência.
Errante consciência
Consciente
O brutal baú do presente
Vazio, profundo
Profano
Humano.
Humano selvagem
Na selva de pedra.

07/08

Tanto tudo, tudo mais

Pra que tanto, caro
Por que muito? Por que tudo?
Quanto mais?
Some-se às acumulações
As ações
As razões
As pulsões
Valorizadas
Multiplicadas
Por quê?
Por um senso de quantidade
Um mergulho no vazio
Das coisas imortais
O coeficiente da resolução
Do desenvolvimento desenfreado
A visão do progresso acelerado
Pra que tanto, caro?
Muito, claro
Tudo raro
Nunca paro.

08/08

Paralelos

Lave-me da vida
Se condicional
Dê-me uma partida
Uma chance, um sinal

Reviver, refazer, redizer
Re-aprender
Reamar, reescolher
Re-escrever

Lave-me, ferida
Mate-me, moral
O se de outra vida
A sombra do real.

09/08

fera na sala

Sono mortal
Sonho sinal
O canto da palavra mais bonita
Sopra fatal
Sela o final
O pranto da alma mais aflita

Vagando parada
Perdendo pegada
Deixando a partida
Fechando a saída

Partindo pro que era
Passado, visão turva
Saída aquela fera
Sumindo numa curva.

10/08

Campanha da alta hora

Caça
Solta
Passa
Volta
Volto
Ao mistério da noite que se lança
Escura até onde o medo alcança
Parte
Corta
Arde
Força
Forço
O corpo se rasga em pedaços no chão
O roto espalha migalhas na mão
Fala
Corre
Mata
Morre
Morro
Por um, por dez, por cem
Por si, por não, ninguém.

11/08

reino da vitória adormecida

Cantando com tinta
Dançando com a mão
Um baile no papel
A força do artesão

Matéria, som, pesar
E o que lhe mais vier
Num sonho respirar
O amor de uma mulher

Fugir fazer criar
A magia da história acontecida
Fingir nascer reinar
Na terra da memória prometida.

12/08

Haverá alguém, em algum lugar?

Alguém por aí?
Que não seja
Que não diga
Que não faça
Que não sinta
Demais?
Forte demais
Fundo demais
Triste demais
Alguém aí?
Que prefira a parede
Ao espelho
Que enxergue o cinza
No vermelho
Alguém aí?
Com coragem
Com vontade
Liberdade
Para amar
Pra trair
Pra gozar
Pra mentir
Alguém por aí?
Capaz de parar
Disposto a voltar
Diante do mar
Deixar-se faltar
Alguém?

13/08

ressurreição do mar de ferro

enterrado no profundo
fundo farto mar de ferro
jaz o coração de quem amou
e temeu, e sofreu
e sonhou
e morreu;

uma alma perdida se encontra por lá
à procura de vida
da beleza de estar
ser
sentir, viver;

há um corpo adormecido
no fundo do mar, um corpo doído
vencido, batido
arrependido
um corpo falido
sozinho no mar de ferro

e coração e alma e corpo
se encontram, se completam
se conhecem, se conectam
juntos, num só ser
com tudo a conquistar, a ver

o filho parte, caminhando por aí
o filho arte
viajante, caroneiro
destemido, aventureiro
corajoso, faz seu mundo
num silêncio, num segundo
tudo é, tudo jaz, tudo há
tudo em pé, tudo faz, tudo já.

14/08

círculo é sempre fechado

Quebre o corpo
Esmague o osso
Carne que era homem
Homem que era filho
Filho agora é nada
No ciclo de sangue
A natureza se contém
Se basta
Se detém
Predador, luta, guerra
A força bruta grita, berra
O animal compete
Se mata, se mede
Se restringe à essência da mãe
Aqui se faz
Aqui se paga
Daqui não passa
Aqui se basta.

15/08

Canto da natureza

Sou cão
Jogado na grama
Pelo esfregado no chão;
Sou ave
Braços abertos pra voar
No frio do vento
Além do firmamento;
Sou água
Fluida, clara
Pura, rara
Simples incrível água;
Sou terra e fogo
Piso forte e perigoso
Sou ar
Fina sorte de estar;
Sou sol
Quente e alto
Sou farol
Lanterna do meu próprio tempo;
Sou criança, sou filho
Aprendendo, descobrindo
Sou mulher, sou homem
Sou gente
Sou só eu e eu, só, sou
Deus, meu deus
Quem diz, quem é
Meu deus quem é sou eu.

16/08

Cantiga

Marinheiro, marinheiro
Quem te ensinou a nadar?
Caroneiro, caroneiro
Quem te ensinou a caronar?

Viajeiro, viajeiro
Quem te ensinou a viajar?
Caminheiro, caminheiro
Quem te ensinou a caminhar?

Voadeiro, voadeiro
Quem te ensinou a voar?
Sonhadeiro, sonhadeiro
Quem te ensinou a sonhar?

17/08

Inverno

Faça a neve
Quem se atreve
Vampiro da noite
Demônio do dia
A oração
Desconfia pra onde vai o coração
Faz uma curva
Sobe a montanha
E se foi longe
Frio
Deixando pra trás
Um grande vazio
Marcado, cortado
Sangrado por dentro
Golpe, ferimento
Saudade, seu momento
O cão do gelo prepara
Fita, encara
Avança, se lança
O inferno branco alcança.

18/08

Quantos todos tantos

Quantos cantos já cantados
e destinos mal-fadados
e suspiros exalados
e caminhos lamentados

Quantas faces conhecidas
e sementes escondidas
e amadas esquecidas
e batalhas já perdidas

Quantas mágoas dissipadas
e paixões não-dissolvidas
e palavras não-faladas
e questões mal-resolvidas

Tantas quantas são passado
Quantas todas são passagem
Muitas quantas foram fardo
Quantas sempre são viagem.

19/08

Jazz night

Notas nas pontas dos dedos
Pesos são penas no ar
A voz abafada
Suave leve linda longe
A cantar
A soar, ecoar
A chamar
A noite pra perto
O som pra ficar
Estar
Aberto, sempre aberto
Discreto, incerto
Fluindo, crescendo
Baixando, subindo
Segura o segredo
Vai a algum lugar
As notas nos dedos
As notas no ar.

20/08

Canto da noite quente

Apague a luz.
Curve-se
Junte-se
Una-se
Mova-se
Sinta-se
Sente-se
Solte-se
Volte-se
Vire-se
Atire-se
Renda-se
Prenda-se
Entregue-se
Deite-se.
Feche-se em mim
Que eu mergulho em você.

21/08

Nascente de água da terra ascendente

água
tudo água
terra água
gente água
verbo água
verde água
água salva
nela selva
água lava
água neva
água leva
água chuva
água move
água nuvem
sobe água
desce deus
vem deus
deus em água
deus em raiva
água deus
água.

22/08

Homens selvagens não tem solidão

A fortuna de seus estragos
O passado dos seus ouvidos
Entre curvas e passos, rasgos
Um buraco no céu ferido

O som dos ratos ao redor da rua
Sapatos gastos pesam sobre o chão
Cavalos escravos escapam à lua
Homens selvagens não tem solidão

Selados no sol, destinos direitos
Malvados, mal-feitos, em repetição
À hora da noite, renascem segredos
Forjados em trevos de revolução

A ruína encontrou soldados
O machado se fez pedido
A verdade perdida em lados
A vontade do esquecido.

23/08

Em busca do ouro

Rodando em busca do ouro
Se encontra tesouro
Maior que riqueza
Se encontra pureza
Remonta à clareza
De que tudo é vagar
Quando há natureza 
Ao alcance do olhar
Certeza, um lugar
Em meio à grandeza
Perdido no ar
Mais forte beleza
Estando, estar.

24/08

Em que língua sonham os imigrantes?

Dormir em francês?
Viver português
Sonhar em inglês

Com que sonham imigrantes?
Vidas velhas em palavras
Vindas novas em sentidos
Se rebelam as amarras
Se desfazem os ruídos

Dormir em português
Viver inglês
Sonhar francês

Sentir, deixar
Sem ter, amar
Reencontrar
Outro lugar

Dormir inglês
Viver francês
Sonhar
Em português
Ter
Sua própria vez.

25/08

Passeio noturno, um poema

A rota desta meia madrugada
Escura ao céu de meia-luz minguante
Tem segredos e mistérios na calçada
Gosto de desejo, cheiro de amante

Andante, errante
Cavaleiro solitário corredor
Passante, poeta dissonante
Estrangeiro temporário, trovador

E adiante, próximo porém distante
Por trás daquela curva iluminada
Se faz presente, potente e hesitante
O chão enluarado da estrada.

26/08

No leito do trilho da linha do trem

no trilho do trem
caído, quieto
ferido, o refém
traça o trajeto
havido alguém
perigo, por perto
reforça ou retém
amado e aberto
alado, além
caminho coberto
cavando com quem
se senta secreto
sozinho, sem teto
no trilho do trem.

27/08

Canto da madrugada IV

Formas da noite
À escura, à espreita
Sensos e sons
Circulando a colheita

O bode se esconde
Na curva, no breu
À beira da rua
Um corpo morreu

Espeto na calma
Arrepio na alma

Folhas e feras
Caídas, deixadas
Chuva na terra
Antigas pegadas

Sopra o vento frio do medo
Chega entre sombras
Se esgueira entre os dedos

Vozes do silêncio soltas pelo ar
Vivem pelas sobras
Vem para assombrar.

27/08

Os olhos do belo

Traga-me olhos eternos
Etéreos
Repletos
De saudade
Fiéis
Pela vontade
Solidão
Emoção
A beleza
Da tristeza
De olhos de chama acesa
Ternos
Claros
Grandes
Raros
Olhos que me adoram
Olhos francos, me devoram. 

29/08

Minha própria poesia do tempo

O tempo especial
Se vai e se acaba
Como o tempo normal
Banal;

O tempo real
Poderia ser sinal
Não se bastasse em atual

O futuro é virtual
O passado, verbal
Palavra apagada
Canção cantada

O tempo é a hora
O tempo é História
O tempo é agora.

30/08

levante

Quem te ensinou a levantar?
Ficar de pé
Até
Poder
Erguer
Tudo que quiser?
O que precisar
Le-van-tar
Contra o que vier
Ao que se mostrar
En-fren-tar
Mãos em guarda só
Não protegerão
Restarão
À
Redenção
Será?
Vivendo, verá.

31/08

última gota da ponta da pena

Salve minha pena
Ponta da lança da alma
Forja-me a cena
Tinta perdida, bandida
Faz minha arena
Sobressaltada e urdida;

Pena ponta, livre e nua
Branca, vaga, falsa rua
Estrada, deserto
Caminho concreto
Das linhas riscadas
Às datas rompidas
Chega luz, estrela aflita
Nasce ideia, nasce escrita.