Um envelope. Um envelope
branco. Um envelope branco selado. Um envelope branco selado no chão. Um
envelope branco selado no chão com uma carta dentro.
E eu.
No chão de um domingo em
Williamsburg encontrei este envelope branco selado com uma carta dentro. Sem remetente,
mas com destinatário. Alguém no Brooklyn. Sem um nome, só o endereço. Posto
contra o sol, o envelope parece revelar estar carregando uma mensagem escrita à
mão. Uma carta de amor? Um pedido de desculpas? Uma despedida? Uma confissão?
Um comunicado? Uma resposta?
Ali está ele. Até um
segundo atrás, era um órfão pisoteado no concreto. Agora, adotado pela minha
mão, intrusa inconsequente nesta história de dois. O envelope está pronto para
ser enviado. Será?
Se esse remetente secreto levou
junto com a carta outras correspondências e as colocou na caixa de correio
todas ao mesmo tempo, sem perceber que justamente aquela tinha ficado pelo
caminho, num pedaço de calçada de Williamsburg, esta pessoa achará que a carta
foi enviada e nunca vai receber uma resposta. A menos que eu termine o serviço.
Mas talvez a pessoa tenha
desistido de enviá-la e retornado pra casa resignada, com aquele envelope e sua
mensagem sendo os restos de uma relação. As palavras escritas, mas nunca ditas,
condenadas à prisão perpétua numa folha branca de papel, guardada, selada e em
breve esquecida no canto do armário, em uma gaveta, ou numa caixa de memórias.
Ou então esta pessoa caminhou
cheia de hesitação até a caixa de correio e, ao chegar, percebeu que tinha
perdido a carta. E então se convenceu de que isto seria algum tipo de sinal
para não enviá-la à pessoa do Brooklyn. O que era pra ser, foi. E carta alguma mudaria
isso.
E aí, se eu vou lá e me
meto, um envelope que é a ponta de um arrependimento, que não deveria mais ser
enviado, reencontra seu caminho. E eu posso ser, anonimamente, o responsável
por uma coisa fantástica – ou terrível – na vida de duas pessoas. Alguém no
Brooklyn receberia esta carta agora renegada e talvez respondesse a esse
remetente que não esperava mais ouvir qualquer resposta.
Posso deixar a carta ali,
no chão. Outra pessoa seria responsável por tomar essa decisão. Quem sabe o
próprio remetente misterioso voltará por seus passos e reencontrará sua carta
ali, onde ele a deixou cair.
Não.
Alguns metros adiante,
respiro fundo, com a tampa da caixa de correio azul na mão.
E ainda que sem qualquer
certeza das consequências, jogo lá dentro o envelope branco selado que
encontrei no chão com uma carta.
E aposto neste pedaço de
magia que é encontrar uma carta anônima jogada no chão e talvez decidir um
destino.
Nada mal para uma tarde de
domingo.