Encruzilhada

Encruzilhada

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

10 poemas favoritos - outubro/novembro/dezembro

12/10

bruta força

Esta noite sonhei que corria
Contra o vento, o tempo e tudo
Sonhei que sonhava com ninfas
Espíritos livres do mundo
Deidades numa luta trançada ao redor de mim
Caminhando pelas paredes do meu quarto
Numa brincadeira entre si, correndo de um lado para o outro
Sonhei que dançava até perder as pernas de tão gastas
Até que o teto desabasse sobre a minha cabeça
E eu ria
E dançava, dançava até morrer
Sonhei com mulheres brincando de serem meninas
Rio em noite azul de lua cheia
Noite cheia
Noite bela
Num jogo de água e espelho
Brincadeira infantil
Seduzir com batom vermelho
Um carinho no rosto
De um amor desconhecido
E eu me jogava
e mergulhava
e caminhava
E a água me seguia
Numa dança impossível
Como se fosse eu seu guia
E eu via
A dança do fim do dia
E chovia
Sonhei que voava
Saltava de um penhasco
E voava
Rompia paredes
E caminhava
Contra o vento, contra o tempo, contra tudo
E não estava só
Sonhei com a luta de um homem
Seu drama
A força bruta da luta humana
E de tão lindo, tão lindo
Não sei se o sonho era sonho
Ou se era vida.

14/10

Dormir não mais

Fantasmas da noite morta
Caminham entre luz e sombra
E névoa
Por rastros de cobiça e treva
Lânguidos, lúgubres
Embebidos no sangue de uma casa
Entre árvores que andam
Espíritos que dançam
A noite de ontem
E repetem seus caminhos
E refazem seus destinos
Passo a passo no terror
Escravos das horas de sempre
Da negra madrugada rubra
De novo e de novo
Despertos de loucura
Em torno da figura
Morta
Atrás da porta
Jaz o segredo do silêncio
Confinadas lá dentro
Almas de outro tempo
Seduzem
As testemunhas de hoje
E o ar se vai, o som se vai
A cama se desfaz;
Nem querer, nem sonhar, nem dormir
Dormir não mais.

22/10

dia em que você me disse não

Suas palavras andam num trilho
Um trem que vem na minha direção
Sem aviso viram dedo no gatilho
De uma bala é feita minha escuridão

Enquanto meu ser, roubado de vida
Derrete derramado pelo chão
A carne aberta, ferida
Ainda tem a marca da tua sua mão

O espaço que abriu no peito morto
Tão quando me arrancou o coração
As marcas que deixou pelo meu corpo
No dia em que você me disse não.

30/10

dança do fim da noite

De dentro das sombras do fim de um sonho
Espero por um trem
Que me leve em suas luzes
Cruzes deixadas pra trás
Danças e sinais
Caminhando e caindo
No escuro
Enxergando de longe
O futuro
Ruas destruídas
Pelas batidas do som
Sentidas no peito
Paredes em ruínas, teto incinerado
E todos nós, lado a lado
Dançando no fogo, na água, na luz
Até o fim da noite.

07/11

invenção do amor

para Karin

Amor é egoísta invenção
E onde estaria eu sem o meu?
No chão
Caído coração
Perdido
Em queda num abismo escuridão

Meu amor me resgatou
Me amou
Me traçou nova vida
Me levou em seguida

E ainda enquanto procuro um lugar
Ou se penso então em quem vou ser
Sei que perto de ti será
Quero alguém que seja com você

Não aumento, não afago
Amor é invenção egoísta.
Mas como contigo
Com esse amor ao meu lado
Nunca soube como é ser tão amado.

12/12

vida viaja

uma viagem de vida
ou uma vida viagem;
retrato da eterna despedida
canto de uma sempre paisagem

viver em passagem
nesta história concebida;
à beira, beirando a margem
a viagem de uma vida
numa vida que é viagem.

18/12

Canto da beira da estrada

Gatos roubados
Na beira da estrada numerada
Pés cansados;

De cima da calçada
Vê-se o mundo
Passar
Derreter diante do olhar
Com velhas cicatrizes
Queimando
Lembrando outro lugar
Sangrando o velho sonhar;

A ponta da sola do pé em frangalhos
Caminhar, caminhar, caminhar

19/12

Seguir

Sigo sol
Contigo, sigo rei
Rendido
Ao tempo que fora da lei
Ruindo por entre pedras de sal
Tão frágil que nem sei
Pra onde vou;

Sigo farol
Comigo e contigo
Bem-vindo no beijo o refrão
Unido e bandido da fé
Sentido e deitado no chão
Meu amor,
Quanta dor, quanta cor, que visão.

30/12

Perto do fim

Quase hora de ir embora

e a demora chora

o fim

e o nascer

pois terminar não é morrer.

31/12

Canto Último

o poeta corre
o homem dorme.

e pra que poesia?
uma por dia
por um dia 
todos os dias a alegria
de ser criador
escritor de si mesmo
em versos modestos
e pretensos 
intensos
versos imensos
do tamanho que quiseres;
abraços da liberdade
da palavra
poesia para viver
dia a dia
pintar e escrever
a fantasia
e lembrar, e dizer
a melodia
dos verbos
dos nomes
dos fatos
retratos
dos dias desta vida
das vidas deste ano
cantos da madrugada
solitárias noites passadas
esperançoso futuro
luminoso além deste muro;
o salto
o voo
a arte
a poesia do fim do dia.

o homem corre
o poeta agora dorme.