Encruzilhada

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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Diário do Festival do Rio: Boi Neon, Francofonia e Stop

Originalmente publicado no ORNITORRINCO


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== Boi neon ==
No nordeste cinematográfico criado por Gabriel Mascaro em seu novo longa, ‘Boi Neon’, não há estereótipos. Os próprios arquétipos são desafiados. Um vaqueiro gosta de moda, corte e costura; outro é vaidoso, de cabelos longos e alisados; enquanto o caminhoneiro que os leva é, na verdade, caminhoneira, uma mulher rude porém de sexualidade latente, que também se apresenta numa espécie de cabaré do interior, com uma cabeça de cavalo. 
Este é um filme sensorial, mais sobre personagens e ambiente do que sobre uma história propriamente dita. Nisso, pode possuir um parentesco de segundo grau com o também pernambucano ‘O Som ao redor’.
E se o universo de ‘Boi Neon’ surge tão fascinante é por conta da concepção de Mascaro - também o roteirista do projeto - mas também de seus colaboradores. A fotografia de Diego Garcia é fabulosa, alternando quadros parados cuidadosamente compostos e movimentação elegante e fluida, além de uma iluminação que cria algumas sequências hipnóticas e outras hilárias. 
O elenco é primoroso. Há uma química algo de família, algo de bando entre os personagens de Juliano Cazarré, Maeve Jinkins, Alyne Santana, Carlos Pessoa (um ladrão de cenas) e, mais tarde, Vinicius de Oliveira. 
Num bate-papo pós-filme, Mascaro disse algo revelador sobre sua concepção de nordeste para o projeto:
- O nordeste no cinema brasileiro sempre foi um lugar de onde as pessoas queriam sair. Esse nordeste de ‘Boi Neon’ não. Essas pessoas estão ali e não querem sair, e vão ficar. E é isso. Penso no personagem do Vinicius de Oliveira, por exemplo. É como se fosse o personagem de ‘Central do Brasil’ que ficou por aqui, como se pudéssemos ver como ele vive depois de todos esses anos.  
No fim das contas, ‘Boi Neon’ se mostra uma obra provocadora, onde não há julgamentos, só ambiguidade e contradições expostas e reveladas. 


== Francofonia ==
Em seu novo filme, o mestre russo Alexandr Sokurov vai a Paris poetizar sobre o Louvre, sua importância e o momento delicado por que passou durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial.
Gosto muito do trabalho de Sokurov e admiro aqui como ele subverte documentário, ficção e metalinguagem. O final, por exemplo, é majestoso e simples se comparado ao refinamento do que veio antes. Mas confesso que fiquei um pouco cansado, apesar das belíssimas imagens e da harmonia com que o cineasta transita entre as linguagens. 
Talvez tenha sido eu, talvez o cansaço, talvez o café não tenha sido forte o suficiente. Ou talvez tenha sido Sokurov mesmo.  


== Stop ==
O coreano Kim Ki-duk tem fama de polêmico. Admirador de trabalhos anteriores como ‘Pietá’ e, especialmente, ‘Primavera, verão, outono, inverno e primavera’, fui conferir seu novo longa, ‘Stop’.
É difícil saber o que ele estava tentando aqui. Este é um filme basicamente amador, com um roteiro sofrível, sem lógica alguma, atuações terríveis e iluminação bizarra. E este filme foi escrito, dirigido, editado e fotografado por Kim, que é um cineasta premiado internacionalmente, com vinte anos de carreira, vinte filmes no currículo.
E no entanto ‘Stop’ parece um filme estudantil, no que isso tem de pior. É realmente muito ruim, e no decorrer de sua bizarra narrativa, sobre as consequências do desastre de Fukushima na vida de um casal, ainda que não passe de 90 minutos, torna-se literalmente uma tortura para o espectador, com um som escandalosamente nas alturas (tive que usar protetores de ouvido - mas aí pode ter sido problema do Odeon e não do filme)
Algo em mim tenta decifrar se houve uma tentativa de ironia ou cinismo de Kim Ki-duk em relação ao tema ambiental ou algo assim. Mas era melhor ter feito um filme de verdade.   

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