62. Anna Karenina – 20/03 - cinema
Por um lado, Anna Karenina é sublime. A escolha do diretor
Joe Wright de conduzir a produção com um viés teatral, misturando teatro
filmado e cinema proporciona momentos de beleza ímpar como a transição de um
cenário que se abre e revela uma paisagem externa na neve ou a linda sequência em
que Karenin (Jude Law) rasga um bilhete e os restos de papel jogados no ar se
tornam flocos de neve.
De fato, apesar de não seguir regras próprias para o uso dos
recursos teatrais, uma vez que Wright parece usá-los quando lhe dá na telha sem
necessariamente manter uma coerência, o jogo de cena e técnica de Anna Karenina
fascina com seus movimentos arrojados, fotografia estourada e surpreende porque
a qualquer momento pode surgir uma sequência mais arrebatadora.
No entanto, o que talvez tivesse potencial para se tornar uma
obra-prima acaba aquém do seu potencial. Dois pontos são decisivos para essa
impressão.
O primeiro é o roteiro de Tom Stoppard que apesar de belo e
possivelmente primoroso para o teatro, no cinema se torna acelerado, como se
estivesse correndo para dar conta de um vasto material (semelhante, embora em
uma proporção muito menor, com o que aconteceu com ‘Os Miseráveis’). Assim, num
momento Anna (Keira Knightley) pensa sobre se entregar ao Conde Vronsky (Aaron
Taylor-Johnson), deita-se ao lado do marido, diz ‘é tarde demais’, a luz muda e
ela já está fazendo amor com Vronsky. A passagem do tempo é acelerada e muitas
vezes me peguei surpreendido por ela. Numa hora Anna está bem, na outra está
doente, aparentemente à beira da morte, depois volta a ficar bem e tudo se
sucede muito rápido.
E sobre o roteiro, apesar de não ter lido o original de Leon
Tolstói ou de sequer ter visto qualquer outra adaptação da obra, devo dizer que
o arco de Konstantin e Kitty não me disse a que veio.
O segundo ponto é a presença da careteira Keira Knightley como
protagonista. Knightley é exagerada e sua atuação chega a ser irritante. A
performance da atriz, aliada à ‘correria’ do roteiro, fazem com que
simplesmente o espectador não se importe com o destino dos personagens. O que é
uma lástima, já que a protagonista é uma grande personagem; uma mulher que ousa
enfrentar as convenções conservadoras de sua época (muitas ainda presentes,
mesmo que disfarçadas, nos dias de hoje) para viver uma paixão, enfrentando
morais, marido, sociedade e possibilidade de perder o filho.
Fica a beleza técnica e todo o esforço de Aaron
Taylor-Johnson (um nome que ainda vai crescer muito), o carisma de Matthew Macfayden
(Oblonsky, o irmão de Anna) e a performance apropriadamente contida de Jude
Law, despindo-se de qualquer aura de galã para compor um tipo humano que foge
do estereótipo do marido-poderoso-traído, e único personagem capaz de
ultrapassar a barreira da beleza/frieza cênica e chegar ao espectador.
MEMO: As cenas de baile são fantásticas, todas memoráveis, em
especial a sequência da dança de Anna e Vronsky.